segunda-feira, outubro 31, 2005

Vamos a hacer limpieza general

Vamos a hacer limpieza general
y vamos a tirar todas las cosas
que no nos sirven para nada, esas
cosas que ya no utilizamos, esas
otras que no hacen más que coger polvo,
las que evitamos encontrarnos porque
nos traen los recuerdos más amargos,
las que nos hacen daño, ocupan sitio
o no quisimos nunca tener cerca.
Vamos a hacer limpieza general
o, mejor todavía, una mudanza
que nos permita abandonar las cosas
sin tocarlas siquiera, sin mancharnos,
dejándolas donde han estado siempre;
vamos a irnos nosotros, vida mía,
para empezar a acumular de nuevo.
O vamos a prenderle fuego a todo
y a quedarnos en paz, con esa imagen
de las brasas del mundo ante los ojos
y con el corazón deshabitado.

Amalia Bautista, "Trípticos Espanhóis", 3º, Relógio d'Água, Lisboa, 2004, p.46

domingo, outubro 30, 2005

Memórias


Manhã de domingo no meu café dos domingos. Muita gente no interior e esplanada deserta. Gosto das esplanadas porque são mais silenciosas, o que me permite ler. Aqui dentro, o barulho das vozes e da televisão não me deixam concentrar.
Gosto de ler pela manhã. Tive um professor de Filosofia que tinha um ritual: todas as manhãs, com sol ou chuva, na areia ou abrigado, dirigia-se para a praia e ali ficava durante três horas a ler. Gostaria de seguir o seu exemplo, mas não me é possível fazê-lo todos os dias. Ao domingo, no entanto, tenho também este ritual. Tomo o café da manhã com uma amiga, e até ela chegar, e porque eu chego cedo, leio pelo menos durante duas horas.
É de manhã que estou mais desperta, mais activa e com as minhas forças e atenção intactas, por isso muito mais receptiva às leituras. Hoje porém, distraí-me, o pensamento voou-me para outros dias, activado por uma frase que li, e que me ficou a martelar na cabeça.

"Nos campos e nos antros, nas cavernas incalculáveis da memória, incalculavelmente povoadas de espécies incalculaveis de coisas, por todos estes lugares eu me desloco, agora voo aqui e ali, sem encontrar limites em parte alguma" **

Mas eu tenho limites! E esses limites encontram-se na minha infância. Até aos dez anos são poucas as coisas de que me recordo; enquanto que o meu marido tem uma memória que remonta até aos quatro anos de idade, para mim esse tempo da infância praticamente não existe.
Para além da lembrança das casas que habitei e de algumas recordações esparsas, não há nada na minha memória. Apenas mais tarde os acontecimentos ganham alguma ordem.
Alguma explicação lógica deve haver para este bloqueio. Tento recuar no tempo e colocar-me numa determinada casa que habitei , e a partir daí, recordar o quotidiano, mas as imagens que se destacam são flashes desbotados de um filme partido e mal remendado.
Uma lembrança lamento não possuir. A memória dos meus pais juntos. Uma memória suficientemente forte para qualquer criança recordar. Essa, não a possuo, por ser demasiado antiga ou efémera. Dela apenas resta a fotografia do dia do seu casamento. Um sorriso a preto e branco numa pose estudada. Uma pose que não perdurou.
A caverna da minha memória é assim um antro escuro e labiríntico com recantos que nunca descobri e portas disfarçadas que nunca consegui abrir. Nela se amontoam coisas insuspeitáveis, testemunhas de um tempo passado, cacos de uma vida que não me recordo de ter vivido, projecções já esbranquiçadas pela poeira dos anos.
Os mais velhos costumam lembrar-se mais nitidamente dos acontecimentos antigos. Será preciso chegar aos oitenta anos para me recordar da infância?

(**Excerto de Umberto Eco, "A Misteriosa Chama da Rainha Loana", p.41, e foto em www.trekearth.com)

sábado, outubro 29, 2005

Manhã de sábado


Este vento que sopra prenuncia chuva. O céu está carregado e ouço de vez em quando as gaivotas no seu quase choro intermitente. Planam como que perdidas, longe de um espaço que é o seu.
Aqui neste café onde me sento, sou a única. Madrugadora, nesta manhã de sábado que é de tratar de um monte de pequenas coisas. Gosto de aqui vir pela manhã. Sento-me na esplanada que se debruça sobre a praça. Trago um livro e umas folhas de papel. Peço um café. Lá dentro ainda decorrem as limpezas matinais. Aqui fora só se ouve o vento, as gaivotas e as crianças que correm lá em baixo. Hoje nem isso. Abandono o livro sobre a mesa e fixo o longe. O contorno dos prédios. O relvado. As árvores que se vergam sacudidas pelo vento. E pego na caneta para escrever. Aconchego o casaco e espreito para dentro do café. Estaria melhor no interior, mas as limpezas não convidam ao recolhimento. Daqui a pouco vou pegar no meu livro e embrenhar-me nele.
Na praça, duas pessoas avançam lentamente, lutando contra um vento que as obriga a caminhar curvadas. Os pombos que aqui costumam andar, hoje desapareceram. Os outros cafés têm as esplanadas vazias. Quase parece um espaço fantasma. Hoje, abandonado e triste.
Uma cidade esvaziada nesta manhã cinzenta de sábado.

(Foto em www.chromasia.com)

sexta-feira, outubro 28, 2005

...

...

"O nevoeiro chega em pequenas patas de gato... O nevoeiro era tanto que parecia que o mundo tinha sido apagado."

ECO, Umberto, "A misteriosa chama da Rainha Loana", Difel, Lisboa, 2005, p.12

quinta-feira, outubro 27, 2005

Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raíz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

SARAMAGO, José, "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p.52

(Foto de Nana Sousa Dias)

quarta-feira, outubro 26, 2005

...


"Adoramos a perfeição porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito."

PESSOA, Fernando, "Livro do Desassossego", Novis, p.188

terça-feira, outubro 25, 2005

...

"É nas próprias crises que os homens encontram a força para as superarem. Assim o demonstraram tantos homens e mulheres que, tendo como único recurso a tenacidade e a coragem, lutaram e venceram as sangrentas tiranias do nosso continente. O ser humano sabe fazer dos obstáculos novos caminhos porque, para a vida, basta o espaço de uma fenda para renascer. Nesta tarefa, o primordial é negarmo-nos a asfixiar o que possamos iluminar de vida. Defender, como o fizeram heroicamente os povos ocupados, a tradição que nos diz o que o homem tem de sagrado. Não permitir que seja desperdiçada a graça dos pequenos momentos de liberdade de que podemos gozar: uma refeição partilhada com as pessoas que amamos, as criaturas a que damos amparo, uma caminhada entre as árvores, a gratidão de um abraço. Actos de coragem como saltar de uma casa em chamas. Estes não são actos racionais, nem é importante que o sejam, salvar-nos-emos pelos afectos."

SABATO, Ernesto, "Resistir", Dom Quixote, Lisboa, 2005, p.114

(Sublinhado meu)

segunda-feira, outubro 24, 2005

...

"Eu gostava na verdade, de ter língua, mas uma língua forte e simples, desafectada, impulsiva, verdadeira, uma língua expressiva e sincera (...) eu gostava de ser senhora de uma língua que fosse um látego para os meus estados de espírito, que firmemente os retalhasse! Falaria hoje, e talvez sempre, da minha inquietação ... Não é um estado moral simples, é um estado enervado e de desacomodação!
Falaria também, se pudesse, dos confusos desejos e das imprevistas ansiedades que de súbito se abatem sobre nós e nos derrotam! Do vácuo sentimental e das nossas íntimas, profundas impressões de desaire..,
Mas como? É infantil querer tornar os sentimentos claros. Os romancistas é que pretendem justificar sempre as crises morais. No entanto, não me parece que a língua dos romancistas, dos analistas dos sentimentos, seja alguma vez capaz de dar o verdadeiro enervamento, de se adequar a ele. A língua do enervamento, se realmente existisse, devia ser bem confusa, inextricável e intransmissível."

LISBOA, Irene, "Solidão", Círculo de Leitores, LIsboa, 1973, p.10,11

Sem saída

Virada para a bancada de cozinha preparava o jantar quando o
primeiro golpe a atingiu.
As palavras tinham-na atingido antes. Duras. Ofensivas. Como
sempre.
- Hoje de novo não, pensou.
- Vou fazer o jantar, disse alto.
Refugiou-se na cozinha tentando adiar a agressão, que sabia
inevitável.
Quando o golpe a atingiu no ombro gritou. Ele continuou. Como
sempre.
Marcando-lhe o rosto. O corpo. Como sempre.
Marcas de tantos anos que eram só uma. Dores de tantos anos que
eram só uma.

Ela levantou-se do chão. Acabou de fazer o jantar. Serviu-lho.
Como se nada tivesse acontecido.
Ele jantou.
Como se nada tivesse acontecido.
Ela esperou.
Arrumou a cozinha. Esperou.
Ele chamou-a. Não respondeu. Esperou.
Levantou a mesa. Lavou cuidadosamente a loiça.
Não tentou ocultar os vestígios dos comprimidos. Arrumou e
limpou tudo cuidadosamente. Como sempre fazia.

Olhou as paredes imaculadas de silêncio. O corpo dele no chão.
Atapetando o chão.
Vestiu o casaco.
Pousou cuidadosamente o que lhe restava de amor no móvel do
hall de entrada. Junto às chaves.
Para que os filhos no dia seguinte encontrassem chaves e amor.
Saiu.
Olhos limpos. Isenta de culpa.

Respirou fundo a água e o escuro quando o corpo num salto
atingiu o rio.

Encandescente em 18/08/2005 (Erotismo na Cidade)


Permiti-me transcrever aqui um dos poemas da Encandescente, do blog Erotismo na Cidade.
Um blog que vale a pena ler, reler e ainda voltar a ler!

sábado, outubro 22, 2005

Sobre a infanticida Maria Farrar


Maria Farrar, nascida em Abril,
menor, sem sinais particulares, raquítica, orfã,
sem qualquer condenação anterior, ao que se julga,
é acusada de ter assassinado uma criança, da seguinte forma:
Conta ela que já no segundo mês
em casa de uma mulher, num sótão,
tentou expulsá-lo com duas injecções
dolorosas, como se calcula, mas não saíu.

Não se indignem por favor,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Assegura contudo, ter pago de imediato
o estipulado, ter continuado a apertar a cintura,
ter também tomado aguardente com pimenta moída,
o que apenas serviu de forte purgante.
O corpo estava inchado e sentia também
dores frequentes quando lavava os pratos.
Estava ainda em idade de crescer, segundo ela própria dizia.
Rezou à Virgem Maria com muita fé.

a vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

As orações, ao que parece, não serviram de nada.
Pedia-se demasiado. Quando já estava mais cheia
sentia vertigens durante a missa. Suava muito.
E também suava de medo, com frequência, diante do altar.
Mas fez segredo sobre o seu estado
até ser surpreendida pelo nascimento.
Isto resultou, pois ninguém pensava
que ela, tão pouco atraente, pudesse ser presa de tentação.

E também a vós, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Nesse dia, diz, bem cedinho,
estando a limpar as escadas, sentiu como que umas unhas
a arranhar-lhe o ventre. A dor
sacudia-a, mas conseguiu manter-se calada.
Todo o dia, enquanto estendia a roupa que lavou,
pensou e tornou a pensar, até se dar conta,
de coração apertado, que tinha mesmo que parir.
Só tarde subiu para o quarto.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Quando estava deitada, vieram chamá-la;
tinha nevado e teve que varrer.
O trabalho durou até às onze. Foi um dia bem longo
Só pela madrugada pôde parir em paz.
Conta ela que pariu um filho.
O filho era igual aos outros filhos.
Mas ela não era como as outras, embora...
Não há motivo para brincadeiras.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Assim, pois, deixemo-la contar
o que sucedeu com este filho
(diz ela que não quer esconder nada)
para que se veja como somos.
Diz que ficou pouco tempo na cama
angustiada e sózinha;
sem saber o que aconteceria a seguir
obrigou-se a conter com esforço os gritos.

A vós também, peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Como o quarto também estava gelado,
segundo diz, arrastou-se com as últimas forças
até à latrina e ali
(quando, já não se recorda) pariu
sem ruído até ao amanhecer.
Estava, diz ela, muito perturbada nesse momento,
já meio entumescida, mal podia segurar o menino
prestes a cair na latrina dos criados.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Então, quando ía da retrete para o quarto
- antes, diz ela, não aconteceu nada - a criança
começou a gritar. Isso afligiu-a tanto
que se pôs a bater-lhe com os dois punhos,
cega sem parar até a criança ficar quieta.
Então, levou o morto
consigo para a cama durante o resto da noite
e pela manhã escondeu-o na lavandaria.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Maria Farrar, nascida em Abril,
falecida na prisão de Meissen,
mãe solteira, condenada,
quer mostrar-vos os crimes de todo o ser humano.
Vós que paris sem complicações em lençóis lavados
e chamais "bendito" ao vosso ventre prenhe,
não condeneis estas infames fraquezas
porque, se o pecado foi grave, o sofrimento também foi grande.

Por isso peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa daajuda de todos.

Bertolt Brecht

sexta-feira, outubro 21, 2005

Travessia

Barco.
Um berço nesta travessia entre duas margens.
O rio cinzento reflecte o dia.
Triste.
O barco balança e embala-me.
Os pensamentos toldados por uma sonolência leve.
Ao lado, sobre as águas as gaivotas planam,
asas abertas ao vento,
acompanhando-me nesta passagem.
Livres e belas.
Lisboa por entre a névoa.
Tão perto e tão longe.

...


O alfarrabista dorme
entre palavras velhas? ou
a súbita ternura que acorre aos
dedos disfarça os sons da morte?
O alfarrabista sonha com palavras
quando a palavra sonho já
não tem sentidos. A águia,
o mar, as delicadas datas
perpassam no seu sonho, quem
sabe, habitam a velha
casa de Hölderlin. Se o
alfarrabista morre, que
velhas palavras contarão
a sua vida?

Joaquim Pessoa, "Por outras palavras", Litexa Editora, 1990, p.34
(Foto em www.trekearth.com)

quinta-feira, outubro 20, 2005

Luta contra o cancro da mama

Uma luta a travar...
Uma luta a vencer...

Não me peçam razões...


Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Nâo me peçam razões por que se entenda
A força da maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei;
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir;
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, "Os poemas possíveis", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p.116
(Foto em www.chromasia.com)

quarta-feira, outubro 19, 2005

...

Alguém adolescente
me liberta. Quis encontrar os
nomes que afinal nunca
perdi.

Insecto ébrio em jogo de
sangue e de surpresa, vou
de certos lugares para
incertas realidades.

Joaquim Pessoa, "Por outras palavras", Litexa Editora, 1990, p.26

terça-feira, outubro 18, 2005

...

"Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado.
Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar."

PESSOA, Fernando, O Livro do Desassossego, Novis, p.174

domingo, outubro 16, 2005

En jeito de desfecho...

Recém-chegada a este mundo da blogosfera e nova ainda nestas andanças de jantares bloguistas, dei por mim sentada a uma mesa com vinte e quatro pessoas que nunca havia visto.
Situação inédita para mim, direi mesmo algo amedrontadora, dado eu não ser, ou não ter sido até agora, uma pessoa com um grande àvontade em situações deste género.
Nestes últimos anos a vida provou-me que pode ser muito curta, interrompida às vezes inesperadamente e modificada de forma irreversível.
A minha visão das coisas alterou-se, levando-me hoje a aproveitar cada momento que se me oferece, valorizando cada nova experiência, movimentando-me na vida de uma forma mais activa e participante - mais empenhada. Daí a encontrar-me no meio de vinte e quatro pessoas que nunca havia visto antes, foi apenas um passo.
As expectativas não eram exageradas, mas a curiosidade era muita. Conhecer algumas das pessoas que visito regularmente na internet e das quais à partida fazemos um retrato mental, pode ser desmoralizador mas também pode revelar-se o contrário.
Neste mundo do virtual há que não depositar grandes esperanças ou fazer grandes filmes. As palavras não são suficientes para construir um indivíduo e no mundo do teclado podem não passar de uma mera construção.
De todos os presentes apenas falei com alguns, limitada pela disposição de uma mesa e manietada por alguma timidez que me caracteriza. Mas ao longo das horas as conversas rolaram fluidas. Pessoas que não se conheciam reconheceram-se, saltando as barreiras que habitualmente limitam os diálogos entre desconhecidos. Penso que quem estivesse de fora não imaginaria que muitos dos presentes nunca se tinham visto antes.
Nestas reuniões há sempre alguém que organiza, que é a alma e o motor do encontro, e neste caso, o Augusto e o Fernando souberam transformar, o primeiro o Tempo, num tempo de confraternização, e o segundo, corporizar a palavra Fraternidade.

sábado, outubro 15, 2005

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(Foto minha)

"O Sol declinara no horizonte. As ilhas de nuvens haviam-se feito mais densas e deslizavam diante do sol. Os rochedos tornavam-se subitamente sombrios. O trémulo cardo marinho passava de azul a prateado e sombras impelidas pelo vento deslizavam sobre o mar como pedaços de tecido cinzento."

WOOLF, Virginia, "As Ondas", Relógio d'Água, p. 146

sexta-feira, outubro 14, 2005

...

Foto retirada de www.chromasia.com

Traz outro amigo também

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

José Afonso

quinta-feira, outubro 13, 2005

O seu a seu dono...

Tinha-me esquecido de mencionar, e convém assinalá-lo, que a música que agora podem ouvir neste cantinho foi-me cedida por um amigo da blogosfera. O Fernando do Fraternidade.
É com partilhas que se constrói a amizade.

Estrela da tarde (Excerto)


Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.

José Carlos Ary dos Santos, "As palavras das cantigas", Ed. Avante, Lisboa, 1989, p.58
(Foto minha)

quarta-feira, outubro 12, 2005

...

"(...) Andava por ali, transposto para qualquer Alguém de mim num território satélite sem vida."

PIRES, José Cardoso, "De Profundis, Valsa lenta", D.Quixote, Lisboa,1997, p.40

terça-feira, outubro 11, 2005

Soneto presente

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que fôr o meu

José Carlos Ary dos Santos, "Resumo", p. 15

segunda-feira, outubro 10, 2005

As primeiras chuvas

Chegaram as primeiras chuvas! E de tão inesperadas (ou tão desejadas) deram azo a uma reacção geral. Na blogosfera muitos são os posts sobre o seu aparecimento. Ora com alegria, ora com aborrecimento ou alguma nostalgia não há quem não fale dela.
E no fim acabaram por me motivar também!
Na minha adolescência, os primeiros dias de aulas coincidiam com o início de Outubro. Nessa altura os dias já eram frios mas com um sol vibrante que tentava compensar-nos. Lembro-me de passear no pátio, nos intervalos das aulas, e de como se me enregelavam as mãos enquanto fumava o meu cigarro (nesse tempo em que eu ainda fumava), e do fuminho que se soltava da respiração.
As primeiras chuvas vinham pouco depois. Tímidas primeiro, passando a mais intensas e por vários dias.
Os rapazes então desapareciam da porta do liceu. As motos arrumadinhas e silenciosas. O ponto de encontro era agora no café da esquina, que se enchia de conversas e de risos, envolvendo os fins de tarde no fumo dos cigarros.
Nos fins de semana de chuva ouvia música enquanto me entretinha a desenhar e a escrever no embaciado dos vidros, tristinha por não sair de casa.
Sempre gostei mais dos dias de semana, ainda que isso implicasse trabalho. Ainda hoje detesto fazer anos em fins de semana e não tenho aquela implicância com as segundas-feiras que a maior parte das pessoas tem. O dia de semana significa sair, ver gente, encontrar os amigos e nada consegue destruir estas vantagens.
Uma das coisas que adoro é passear à chuva - aquela chuvinha míuda, dita "de molha tolos". Chapéu debaixo do braço e cara levantada para sentir no rosto toda a sua frescura. Faz-me sentir bem. Faz-me sentir que participo de algo belo e vivo.
Hoje a chuva não era assim. Impossível dispensar o chapéu. Quando saí de casa, era bem cedinho, chovia bastante. Não fora o chapéu de chuva a escorregar enquanto tentava prender a mala que também teimava em deslizar, era quase revigorante.
Quando me pude sentar a olhar a chuva pela janela, respirei fundo, e gozei o prazer de a ver cair, tão certinha e direita, sem vento que a impelisse de um lado para o outro - uma barreira de água pura.
Depois, pouco a pouco, parou. A rua brilhava. Pequenas poças estendiam-se à beira da estrada e o sol que despontou reflectiu-se nelas.

Baile de máscaras

Contínua tentativa fracassando,
Minha vida é uma série de atitudes.
Minhas rugas mais fundas que taludes,
Quantas máscaras, já, vos fui colando?

Mas sempre, atrás de Mim, me vou buscando
Meus verdadeiros vícios e virtudes.
(-E é a ver se te encontras, ou te iludes,
Que bailas nesse entrudo miserando ...)

Encontrar-me? iludir-me? ai que o não sei!
Sei mas é ter no rosto ensanguentado
O rol de quantas máscaras usei ...

Mais me procuro, pois, mais vou errado.
E aos pés de Mim, um dia, eu cairei,
Como um vestido impuro e remendado!

José Régio, "Antologia Poética", Quasi, 2001, p. 39

(Foto de Nana Sousa Dias, que conheci através do blog da Encandescente)

domingo, outubro 09, 2005

...

(Foto de Dulce)

"Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão."

PESSOA, Fernando, "Livro do Desassossego", p. 72

sábado, outubro 08, 2005

...

"Não o amor, mas os arredores é que vale a pena ..."
PESSOA, Fernando, "Livro do Desassossego", p.179

O meu cantinho

Foto de Dulce

Poema do homem só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros não se explicam:
arrefecem.

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concentro,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se e desflorar-se,
é nosso, de mais ninguém.

António Gedeão, Obra Poética, Ed.João Sá da Costa, Lisboa, p.46

sexta-feira, outubro 07, 2005

Parabééééns!!!!!


Hoje é um dia especial. A minha filha mais velha - a minha "primogénita preferida" como eu lhe chamo - faz 23 anos.
Foi uma bébé calma, atenta, carinhosa e fofa e hoje é uma jovem adulta ...
... calma - quando a mãe não a chateia -,
... atenta - quando me está a ouvir desabafar nos meus dias maus -,
... carinhosa - os seus olhos sabem mostrar-me esse carinho -,
... e fofa (desculpa filhota se não gostaste desta última parte) :-))
Para ela estes 23 anos foram um tempo imenso. Para nós, foi um instante.
Está agora a iniciar uma nova fase da vida. É o começo de uma construção; é o antes idealizado tornado realidade. E cabe-nos a nós, pais, ampará-la, sem a empurrar, ajudá-la, sem a pressionar e amá-la como sempre fizemos.
Ela merece.
São para ti estas palavras que hoje te dedico (já não podes dizer que passo o tempo no computador, porque desta vez é para ti que escrevo ...).
Um graaaande beijo da MÃE!!!!!!!!

quinta-feira, outubro 06, 2005

...

Não posso adiar o amor...

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

ROSA, António Ramos, Antologia Poética, Círculo de Leitores, 2001, p.30

quarta-feira, outubro 05, 2005

Lisboa


Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Obra Poética III, Caminho, p.247
(Fotografia minha)

(Para o José, conforme prometido)

terça-feira, outubro 04, 2005

...


(Foto minha tirada em 3/10/2005 - dia do eclipse - 10,45 H)


"Calma, alguma vez calma? Alguma vez o doce sentimento de plenitude, de tranquilidade; de nos bastar aquilo que recebemos da vida? Não, porque esse sentimento deve ser apenas pressentido, apenas desejado, nunca perfeitamente conhecido... Pelo menos, não é um sentimento ordinário.
Mas às vezes uma carta, uma conversa, uma companhia, dão-nos sem esperarmos uma delicada sensação de repouso, uma ilusão de contentamento; a impressão de que o mundo podia ser para nós um pouco mais aberto, um pouco mais generoso. Mas é uma sensação enganada! e de modo nenhum aquela tão ambicionada de conquista e de épanouissement!
A vida ama-se. Se se ama! Amamo-la através de tudo e de todos. Amamo-la até quando a renegamos e dela desesperamos...
Eu amarei a vida, talvez ao invés dos outros... Acho-a cheia de incoerências, pobre, madrasta, mas apesar disso vou esperando sempre...
Se eu ainda espero, se ainda tenho esta tenaz e incerta sensação de esperança, de desejo, é porque de todo não renego nem maldigo a vida.
Serei uma insatisfeita. Sim, a insatisfação é em mim uma espécie de espinho permanente. Acho que vivi sempre oprimida, que não tenho o que a maioria dos outros têm, que não sou como eles! E impessoalmente invejo-os... Sem lhes dar número nem nome a eles me comparo, obstinadamente. Serão manias minhas, mas manias de pobre. Manias de quem pressente que há mais e melhor na vida, de quem sente em si presas e inúteis as inumeráveis forças humanas, os mil desejos da alma e do corpo!"

LISBOA, Irene, "Solidão", Círculo de Leitores, Lisboa, 1973, pp. 12 e 13

segunda-feira, outubro 03, 2005

O primeiro do século

Parece a lua, mas acreditem que não é! Não é tão bonito como a realidade mas é o que se pode arranjar. Fiz tudo direitinho, mas máquina nova ... ainda me deixa às aranhas na hora de disparar!

E agora algumas curiosidades! Sabem que:

- O primeiro registo de um eclipse total do Sol é da Mesopotâmia, e data do ano 1375 a.C.
- As mais antigas observações conhecidas de eclipses do Sol e da Lua foram feitas no Oriente Médio e Extremo. No século 3, o escritor grego Diógenes relatou que os astrónomos egípcios teriam registado 373 eclipses do Sol e 832 eclipses da Lua.
- Para os egípcios, os eclipses do Sol evocavam Apófis e Rá (o deus Sol). Seriam ocasiões em que Apófis se coloraria no caminho de Rá para combater.
- Uma lenda chinesa diz que um eclipse ocorre porque um enorme dragão devora o Sol.
- Na Roma antiga, a população tinha por costume gritar em voz alta a fim de socorrer o Sol eclipsado, para o chamar de volta.

(Curiosidades retiradas da página do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto)

Eclipse


Hoje, dia de eclipse do sol. Acordei cedinho, entusiasmada com a possibilidade de ver e fotografar o primeiro eclipse do século. Apesar de não ter aqui, na zona de Lisboa, a espectacularidade do norte do país, é sempre um belo momento.
Procurei o miradouro porque queria ver as diferenças da luminosidade e o seu efeito sobre o rio.
A paisagem mil vezes vista consegue ser sempre nova. E depois ... tinha a minha nova máquina digital para experimentar.
Zoom + ... zoom - ... foi uma festa.
E o eclipse, também ficou agora nas minhas memórias fotográficas.

Lavoisier

Na poesia,
natureza variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma.

OLIVEIRA, Carlos de, "Sobre o Lado Esquerdo", Dom Quixote, Lisboa, p.55

domingo, outubro 02, 2005

...

"Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio. Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco".

GARCÍA-MARQUEZ, Gabriel, "Memória das minhas putas tristes", Dom Quixote, p.67

sábado, outubro 01, 2005

Des(a)fiando as palavras

Quem sou eu?
Quem julgam que sou?
Protejo-me atrás de uma fotografia escurecida mas revelo-me através das palavras. Sou o que delas transparece.
Mas sou mais ainda, e outras já fui.
Já fui menina. De cor-de-rosa me vesti. Brinquei com bonecas. Pulei e joguei. Foi o tempo das perguntas. Momentos de fantasia, e de que mais não sei dizer pois há uma névoa em seu redor.
Outra ainda, fui.
Adolescente. Foi o tempo dos problemas. O tempo das descobertas. O tempo do primeiro beijo e do primeiro orgasmo.
Atracções, amores e paixões – por tudo isso passei. Ri e chorei. Sonhei.
Foi o tempo dos grandes ideais. Liberdade. Igualdade. Solidariedade. Dizer não à guerra. Foi o tempo da luta por um país novo. Por um Homem novo. Sonhávamos sair das trevas e alcançar a luz.
Para aqui chegar percorri algumas estradas.
Ganhei algumas batalhas. Perdi outras.
Alguns ficaram pelo caminho. Mas a morte faz parte da vida! A saudade dói. Perder as raízes é como um caminho que foi interrompido e do qual se desconhece a origem. É como uma flor sem raíz, apenas assente no seu caule.
Marcas. Pegadas. Rumos. Impressões digitais do nosso ser.
Quem mais fui? O que mais quero?
Quero ter e quero ser.
Quero o inesperado. A vertigem da paixão.
Quero o amor e o amante. A loucura e o desejo. Quero a carícia de uns lábios nos meus lábios.
E quero também a perda, a esperança e a saudade.
Quero a expectativa da viagem. Perder-me em desfiladeiros sem fim. Descobrir os lagos e as montanhas que ainda não vi.
E quero também a solidão. O silêncio. Poder estar a sós na penumbra do meu ser.
Quero os amigos presentes em cada dia, sinceros em cada momento – equilíbrio do meu ser.
Procuro a perfeição possível.
Invento e sonho.
Sonho a presença do mar. Grãos de areia fina deslizam nas minhas mãos. Envolvo-me nas águas e saio delas branca de sal. Colecciono pequenos búzios que me lembram o oceano e os dias felizes.
Quero parar os relógios e perder-me nas horas que hão-de vir.
Passear em jardins repletos de flores e de aromas.
Escutar o canto dos pássaros.
Olhar o céu e perder-me nele. Contar as estrelas em noites sem luar.

Mas apenas me perco nas palavras.
Com elas convivo. Para elas vivo.
Nelas me escondo.

Dia Mundial da Música

...

Quantas lágrimas existem por trás das máscaras! Quanto mais poderia o homem chegar ao encontro com o outro homem se nos aproximássemos uns dos outros como necessitados que somos, em vez de fazermos figura de fortes! Se deixássemos de nos mostrar auto-suficientes e nos atrevessemos a reconhecer a grande necessidade que temos do outro para continuarmos a viver, como mortos de sede que na verdade estamos! Quanto mal poderia ser evitado!

SABATO, Ernesto, "Resistir", Dom Quixote, Lisboa, 2005, p.78,79