sábado, março 31, 2007

"O tempo" ou "Quando o tempo se torna uma obsessão"

Do outro lado do fio chegam-me sons familiares. A voz baixa e a respiração. Por alguns minutos apenas a respiração - compassada. Eu falo. Respondo ou relato. Não sei se ao outro lado do fio as frases chegam com sentido, mas continuo a falar. Curtas interjeições são a resposta que obtenho. Depois o silêncio. Calo-me também e fico presa naquela frágil bola de sabão que ambos quisemos. Abóbada protectora em que nos refugiamos. Íntimo abraço. Toca.
Repouso a testa na palma da minha mão e fecho os olhos. Abandono-me. Saio do meu corpo e vou ao teu encontro. Naquela concha onde os silêncios são berço e as palavras carícia. Percorro os trilhos invisíveis desse silêncio que me ofereces e deixo-me levar por uma vontade a que é impossível resistir.
O coração bate mais devagar enquanto o pensamento se atropela num emaranhado de imagens.
O ontem a projectar-se no futuro, e o futuro ... já amanhã, afinal!
Apenas o tempo de uma palavra. Por inventar!
O tempo de um gesto. Por criar!
Haverá ainda tempo?

terça-feira, março 27, 2007

Esboço

Recortam-se na penumbra ... vultos quase sonhos.
Sombras chinesas de dedos vorazes.
Silêncio repleto de posse.
Frenético.
Evolam-se como fumo as palavras apenas murmuradas.
Fio ténue que se esbate, ou perfeitas espirais saturadas de exigência.

Recortam-se breves ... transparentes quase.
Recortam-se na penumbra de um tempo que se fez tarde - um tempo tão denso como o amanhã que se ignora.
Diluída já, está a ânsia da urgência.
Desfeita por dedos que na espera desesperam.

Recortam-se quase vagos.
Na penumbra ... quase vultos, quase sonhos ...
Vital e único.
Apenas o grito!

domingo, março 25, 2007

Sabes, mãe!

Texto retirado

quarta-feira, março 21, 2007

Pergunta


Submerjo,
e dos olhos rasos de água
invento bóias
onde me amarro.

Nas águas mergulho
angústias
A elas entrego dúvidas.

Mar ou lágrimas?
Mergulho ou abraço?
Posse ou entrega?

E elas respondem-me:
queda!
( No dia 16 de Março a Wind postou esta foto e desafiou quem lhe desse um título ou escrevesse um poema. Eu escrevi o poema que publico aqui hoje, revisto. A foto "pedia-a emprestada", e é de Fréderic Karikese, e podem ver o post original em http://wind9.blogspot.com )

segunda-feira, março 19, 2007

Para além da vida

Texto retirado

domingo, março 18, 2007

Domingos!

Texto retirado

quinta-feira, março 15, 2007

Outras lembranças

Texto retirado

terça-feira, março 13, 2007

Ousadia


(Foto minha)
Texto retirado

segunda-feira, março 12, 2007

Quando a noite caiu

Texto retirado

sexta-feira, março 09, 2007

Em ti /Em mim

Diz-me qualquer coisa bonita. Hoje. Agora! Diz-me, para que o sorriso nasça simplesmente, sem esforço. Não como agora - um esgar apenas. A sombra de um sorriso.
Vejo-te(me) ali sentada. Ali do outro lado da janela. A luz da secretária acesa iluminando o teu (meu) rosto. O olhar fixo no monitor. As palavras, não as oiço, não é preciso. Nos teus (meus) olhos vejo reflectida a tua (minha) alma. Por detrás do sorriso que ensaias vejo a tristeza que espreita. Nas mãos apoias o rosto e quando baixas a cabeça o cabelo esconde parte daquilo que não queres mostrar. Como é transparente o teu (meu) olhar. Percebo bem que queres fugir, desaparecer dali para que não te (me) vejam o que vai lá dentro, para finalmente deixares cair as lágrimas que tentas a tanto custo reprimir.
Levantas-te. Vais buscar água. Aproveitas para recompôr no rosto a calma, a limpidez, mas quando de novo te sentas percebo que não vais conseguir. Acentuam-se mais as rugas no rosto e nos olhos espraia-se timidamente um lençol de água.
Como te (me) conheço bem! Como te (me) leio tão claramente como se de mim própria se tratasse. É isso que me assusta. É saber. Saber tão bem o que vai lá dentro. Saber tão bem como enterras e disfarças o que não podes resolver. Mas sabes! Sabes! E eu também sei!
Sabes, este é um dia que não devia ter acontecido. Um dia em que nada chega para apagar a tristeza. Um dia amargo.
Nem as palavras bonitas que peço para dizeres conseguem fazer nascer em ti (em mim) o sorriso.

quinta-feira, março 08, 2007

Alguns verões

Dorila, Noémia e Idália. Chamavam-se assim, as "meninas". Solteiras as três e de idades entre os trinta e os quarenta anos.
Dorila era a mais velha. A matriarca. A mãe de todas. Mais baixa e redondinha que as suas irmãs, era doce mas de poucas falas. Seria, segundo creio hoje, a que geria a governo da casa.
A do meio era a Noémia. Magra, um pouco brusca no falar e muito rápida no agir. Era a mais despachada e talvez a mais enérgica. Falava por arranques, quase que espicaçando aqueles a quem se dirigia.
Idália era a mais nova. Sempre foi a minha preferida. Morena e roliça. Alegre nas falas e no olhar e com uma entoação de voz que raiava o desafio.
Era em casa destas três irmãs que eu passava as férias de verão. Lembro-me que chegávamos sempre à estação de Loulé já de noite e era de táxi que fazíamos o percurso até à vila. As ruas acolhiam-nos, desertas, e até a Avenida principal mal iluminada se encontrava vazia de gentes.
A casa ficava mesmo ali numa daquelas transversais à Avenida, numa rua silenciosa de casas baixas. Penso que já nos esperavam, pois a porta era rapidamente aberta à nossa batida e lá dentro, naquela grande sala que era simultaneamente sala de trabalho e de visitas, nos aguardavam as três irmãs sempre com sorrisos de boas vindas e palavras bem dispostas.
O tempo ali, passava-se lentamente. Quarteira era a praia mais perto e para lá íamos umas vezes por outras. Outros dias passava-os ali mesmo na vila, entre passeios pela Avenida e o desejo sempre insatisfeito de uma ida ao cinema, mesmo ali na outra esquina.
Recordo-me de voltar dos passeios e me empoleirar do lado de fora da janela da sala, sempre aberta, tentando assustá-las, pois era mesmo ali que se sentavam as irmãs a costurar.
À noite, quando o calor apertava, ou nos sentávamos à porta da rua em cadeirinhas baixas ou íamos para cima, para a açoteia, ali ficando a conversar e a rir, a cantar e a contar as estrelas, até que o sono viesse.
Lembro-me bem do interior da casa, semelhante à maioria das habitações algarvias antigas. Um longo corredor que atravessava a casa toda, dispondo-se de cada lado, os vários quartos. Mesmo ao fundo a cozinha, que dava para um pátio interior cheio de flores. Junto à parede, um pequeno lago escurecido pelo tempo, onde apenas dificilmente víamos alguns peixes fugidios. Também por lá havia um cágado que lentamente se arrastava para os cantos mais frescos e escondidos.
Era um local sossegado onde apetecia ficar à fresca, mas era na grande sala que eu mais gostava de passar as tardes. Numa estante ao canto alinhavam-se dúzias de pequenos romances de cordel. Devo tê-los lido todos. Encolhida no sofá, deixava-me levar pelas mais variadas histórias de amor enquanto as tardes passavam sem eu quase dar por isso.
Neste espaço passei inúmeros Verões da minha adolescência. Quase vinte anos depois voltei. Lá estavam ainda. A casa. As três irmãs. Quase tudo na mesma, como se o tempo, benévolo, não tivesse querido mudar nada do que eu com tanto cuidado guardo.

domingo, março 04, 2007

Pensão Emília

Pensão Emília - Bons Quartos. Acho que vejo este letreiro pelo menos há uns bons trinta e cinco anos. Ali mesmo, na rua ao lado do Tribunal.
Era sempre em tardes extremamente quentes que desembarcava em Faro. Vinha de Loulé onde passava férias com a minha mãe em casa de umas pessoas amigas. Para a próxima falo-vos delas. Chamávamos-lhes ... "as meninas". Como dizia, chegava sempre à tarde nas velhas camionetas e desembarcávamos na central de camionagem ali mesmo no largo principal, junto ao Hotel Eva. Recordo o contraste entre o interior da estação - fresco e sombrio - e a saída para o exterior - abafado e luminoso.
Todos os anos era a mesma coisa. Subíamos a Rua de Santo António - ex-libris da cidade - com as suas lojas e cafés da moda. O velho Centro Comercial e o seu cinema, a pastelaria Gardy à direita, local obrigatório para quem queria ver passar as gentes. O Armazém Americano mais acima e à esquerda uma papelaria e livraria de que não me lembro agora o nome, e que eu gostava sempre de espreitar. Assim chegávamos ao fim da rua e enfrentávamos o grande largo, nessa altura bem diferente do que é agora. Em frente o Tribunal - Domus Justitia - ainda hoje igual. Fachada recta que se atinge subindo a larga escadaria. De um lado a Avenida de árvores frondosas, do outro uma singela rua. E lá estava a velha pensão. Pensão Emília - Bons Quartos. Um pouco à frente um muro de grades vestido de verde. Lá permanece ainda hoje. Assim como o velho portão sobre o qual cai um arbusto de flores grenás.
Até aí conhecíamos o caminho. Daí para a frente era a confusão. Nunca sabíamos bem onde virar. As ruas pareciam-nos todas iguais. As casas também. E o calor era um peso que se arrastava connosco ao longo do percurso. Uns passos mais à frente fazia-se de novo luz para nós. Reconhecíamos o velho edifício de esquina - Cromagem, dizia, - e logo depois o nome da rua que procurávamos. Casas baixas de cores gastas e pesados batentes. A porta ao centro e de cada lado uma janela alta.
As velhas tias nunca nos esperavam. O telemóvel é coisa recente... Abriam-nos a porta entre o estremunhado e o aturdido e no meio de exclamações de surpresa faziam-nos entrar para a velha sala à direita do corredor. O grande e desbotado espelho dourado lembrava outros tempos. Os sofás antigos estavam ali há séculos, desesperando já de uma companhia que há muito não tinham. Abriam-se as portadas de madeira para deixar entrar um pouco de luz e nos raios de sol que cruzavam a sala via pairar uma nuvem de pó assustada. Os passos arrastavam-se pelo longo corredor e as vozes chegavam-nos abafadas e roucas pela imobilidade a que se obrigavam. E ali se ficava contando as novidades, sorrindo e apreciando o quanto eu havia crescido desde o ano anterior. Depois vinha o chá, e logo depois porque se fazia tarde para voltar, dizíamos adeus às velhas tias, e até para o ano. Ainda consigo ouvir a porta bater enquanto nos afastávamos. Ficava no ouvido como o fim de um capítulo.
Na volta, de novo o letreiro. Agora que penso nisso, sinto que me despedia dele todos os anos. Mentalmente dizia-lhe adeus, assim como à chegada era a minha luz. Uma espécie de velho farol que ainda hoje lá está para me iluminar a memória. Ainda e sempre a vontade de bater aquele batente e ultrapassar aquela velha porta. Ainda e sempre a curiosidade de enfrentar o passado.

quinta-feira, março 01, 2007

(Sem) Nexo

Para lá do reflexo
o nexo.
do verde-vida que sorvo
e quero.
do espaço azul que me tenta
e que atenta,
desafio.
da vida
que enquadrada em quadrículas
espartilhadas e rectas
espelha,
desordenada e oca
o reflexo sem nexo que sou.

(Ver http://wordsimages.blogspot.com , Janela, que humildemente me inspirou)