segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Abrigo

Texto retirado

sábado, fevereiro 24, 2007

Stop

Texto retirado

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

De como os sapatos do Zeca Afonso dobraram o Cabo Bojador (porque faz hoje 20 anos que morreu Zeca Afonso)


Já o sol era nascido acima do horizonte atlântico que se avistava do paquete “Pátria”, de regresso a Lisboa com a Tuna Académica. O pelotão da noite regressava às «casernas» da 2ª classe para retemperar energias para o dia seguinte.
Éramos uns três ou quatro, incluindo o Zeca e eu, de viola, caminhando no deck, da ré para a proa.A noite tinha sido mágica. Cabelos ao vento, qual deusa grega, Natália Correia recitou poemas que a brisa levou e o Zeca cantou umas coisas que já não eram fado, e que ainda não eram balada.Na rotina dos cuidados de higiene e limpeza do navio, um marinheiro mangueirava o deck com fortes jactos de água marinha.
Caminhávamos. De repente, o Zeca parou e disse: «Tenho os pés molhados». E flectiu a perna para inspeccionar o que se passava com a sola dos seus sapatos. Assistimos então a uma revelação: as solas de ambos continham crateras do tamanho de medalhas comemorativas de não sei o quê; e onde devia haver sola, cabedal ou couro, só havia buracos, e mais, onde devia haver meia, também não havia.
À luz nascente daquele novo dia, a única e primeira coisa que se vislumbrava, enquadrada pela moldura do buraco, era a pele da planta do pé do cantor, que ele, agredido na sua sensibilidade cutânea, dizia «molhada».
E então, o Zeca, lentamente, descalçou o primeiro sapato. Depois, o segundo. E, num gesto e movimento que me lembrou aquela devolução que os «matadores» fazem para o público, das ofertas que lhes atiram para a arena na volta triunfal das lides, o Zeca lançou os sapatos ao mar. Ainda se mantiveram à tona por segundos. Depois, foram rapidamente engolidos pela espuma e deglutidos pela sucção do mar.
«E agora, José?» - teria pensado eu. «Ó Zeca, como aqui no barco não há sapatarias, como é que vai ser amanhã?» O Zeca, descalço e de peúgas rotas e molhadas, caiu finalmente em si: «É pá, pois é, não há sapatarias... »
No dia seguinte, quando o avistei, a primeira coisa que fiz, com curiosidade, foi olhar para baixo, para o chão, para ver como era o pedestal da estátua. Um espanto: sapatos reluzentes, engraxados, talvez de marca. «Ó Zeca, onde é que, como é que...», perguntei eu. Já não me lembro da resposta dele, nem penso que interesse para o caso porque, às vezes, as respostas já vêm contidas nas perguntas.

José Niza

Retirado do site da Associação José Afonso www.aja.pt

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Abruptamente

Abruptamente caíu. A noite!
Da janela que se abre à minha frente ainda há pouco distinguia o recorte dos prédios que me rodeiam, mas ...
Abruptamente caíu. A noite!
Olhei agora e duplamente me devolve a imagem nas vidraças das janelas.
No breu pairam apenas alguns pequenos rectângulos iluminados.
Faróis na densa escuridão que se criou.
Sinais de vida.
Gritos na noite que caíu. Abrupta!

Como abruptamente se calou a voz.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Curto-circuito


Há uns poucos dias atrás, ao acender o meu candeeiro de secretária, ouviu-se um pequeno estalido e todas as luzes se apagaram. Era já noite escura e tive que percorrer tacteando alguns metros até conseguir accionar o interruptor milagroso que me devolveu a claridade.

Voltando à secretária constatei que o meu candeeiro continuava desligado. Soltei a pequena lâmpada opaca e através de uma pequena nesga na sua base, vi que todos os filamentos estavam no lugar. Bom, da lâmpada não era!

Desliguei o candeeiro da tomada e desde logo me apercebi que um pequeno borrão escurecido manchava a ficha. Algo estaria mal ligado e o curto-circuito acontecera!

Da minha modesta caixa de ferramentas retirei a chave de fendas mais pequena que possuo e com toda a paciência preparei-me para a operação. Fiz rodar a chave até o pequeno parafuso se soltar. Lá dentro, outro pequeno borrão escurecia a caixa enquanto que no meio dele os finos filamentos de cobre se apresentavam descuidadamente soltos. Ao longo do tempo e das ínúmeras vezes em que foi manipulado, algo saíu do lugar e ao perder-se a correcta ordem das coisas, o curto-circuito tornou-se inevitável. Tudo funciona na perfeição. Ao ser detectado um pequeno erro, o nível de controle seguinte reage e, para evitar males maiores, corta a corrente por completo.

Fomos nós, Homens, que pensámos e providenciámos para que assim fosse. A experiência aliada à inteligência e à prática a isso nos levou.

Porque não será então possível desenvolver essa mesma aplicação em nós mesmos?

Hoje os meus circuitos acordaram fragilizados. Algo ao longo do tempo e no decurso da vida de todos os dias os danificou e desde manhã que faço continuamente faísca.

A gripe abalou as minhas defesas e por isso faço faísca.

Sinto as costelas quase a estalar quando tusso - e tusso muito - e faço faísca.

A minha gata deitou ao chão e partiu a minha única taça de flocos e fiz faísca.

Dou-lhe uma palmada e de novo ... faísca.

Um idêntico borrão escurecido tem vindo a alastrar em mim ao longo do dia esborratando até a minha clara e habitual capacidade de visão.

Olho para ontem, para hoje e para amanhã e novamente estala a faísca.

Quando me lembro que ainda por cima é Carnaval ... as faíscas quase derivam em fogo de artifício.

Porque não se cumpre o que o Homem tão bem criou e entro de vez em curto-circuito?
(Imagem do Google)

domingo, fevereiro 18, 2007

No jardim

Texto retirado

sábado, fevereiro 17, 2007

Regresso

Finalmente oiço anunciar a chegada do comboio. Há muita gente na estação. Muitos jovens. Estudantes que voltam de fim de semana para casa. Na última hora mantive-me encostada ao vidro da porta da gare. Aqui está mais ou menos abrigado. Vejo outros comboios a chegar e a partir. Gente que desce apressada e desaparece rapidamente. Gente que chega, olha o velho relógio, compra o bilhete, fuma um cigarro, telefona. O telemóvel passou a fazer parte dos movimentos rotineiros. Para-se à espera do autocarro - e pega-se no telemóvel. Sentamo-nos no café e pegamos no telemóvel. Aqui nesta estação, quase todos os que me rodeiam estão com o telemóvel na mão. Eu também já peguei nele umas cinco vezes quer para telefonar, quer para mandar mensagens ou apenas para confirmar se me telefonaram.
Há bocado um homem alto aproximou-se de mim e em voz baixa disse-me precisar de cinco euros para o comboio. Dei-lhe algum dinheiro e afastou-se pausadamente até ao fim da gare. Passada meia hora, já não se recordando de mim, volta a abordar-me com o mesmo dircurso. As estações são pontos de circulação rápida e não se espera encontrar uma hora depois, alguém que já se abordou antes.
O comboio está mais próximo agora. As pessoas movimentam-se na gare à procura da sua carruagem. Procuro também a minha e apresso-me para o meu lugar. O lugar junto à janela já está ocupado. O meu é do lado do corredor. Digo boa-noite e sento-me. Tiro o cachecol, desabotoo o casaco e pouso a mala e o chapéu na pequena mesa que desliza à minha frente. As mãos estão geladas e faço um rolo com o cachecol para me aquecer. As portas fecham-se e há ainda gente a circular no corredor. Começam lentamente a deslocar-se as carruagens. As luzes estão baixas, e lá fora é noite e chove. Vejo a cidade que se afasta e acompanho por momentos as últimas luzes que desaparecem.
Há uma vaga sensação de tristeza e perda, algo que tento definir enquanto fecho os olhos e me forço a voltar ao princípio obrigando-me a recordar. A manhã. A viagem. A chegada. Os pensamentos enovelam-se, misturando todas as manhãs - quantas manhãs, já não sei dizer -, todas as viagens - as que sonho e as que realizo -, e todas as chegadas. Chegadas e partidas porque cada chegada implica sempre uma partida, da mesma forma que uma moeda tem duas faces ou que à alegria se segue sempre a tristeza.
Fujo destes pensamentos que se embaraçam abrindo os olhos para a realidade. Olho à minha volta e apercebo-me que também não é isto que quero - esta realidade escura. Densa de ruídos e vozes que não quero ouvir. Preenchida de rostos que desconheço, de falas que não entendo e de finais que não são felizes.
Fecho os olhos e faço um derradeiro esforço. Limpo os sons que me rodeiam e agridem. Apago estas luzes amarelas e baças e começo a preencher o meu vazio com a luz suave do fim da tarde, com o reconfortante ruído da chuva a bater nas vidraças, e até com um trovão que se adivinha. Está melhor agora! Respiro pausadamente e procuro o equilíbrio do abraço que me acalma. Recolho-me no conforto deste espaço-limbo que criei para mim e consigo até sorrir quando ao longe imagino a tua voz que docemente me chama.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Para a minha "mana"


Amiga

Já perdi a conta dos anos que te conheço. Espera, deixa-me pensar um pouco ... Foi em 99. Oito anos já. Para ti que tiveste uma vida cheia, estes foram apenas "estes últimos oito anos". Para mim, parece-me já ter sido há muito tempo.

Lembras-te de me teres chamado no páteo naquele dia à tarde? Não havia aula ou ela ía ser transferida para outra sala, já não me lembro bem. Estavas junto de outros colegas e viste-me chegar, apressada. Gritaste o meu nome e eu por ali fiquei junto a ti e ao resto da malta. Sempre foste aquela que se dava bem com toda a gente. Tratavas todos por tu. Metias-te com todos. Acarinhava-los quando estavam tristes e fazias a festa maior quando era dia de festejar. Depois, a partir desse dia aproximei-me. Conversávamos. Tomávamos café. Trocávamos apontamentos. Naquele dia em que choraste toda a manhã, não consegui tirar os olhos de ti. Nas aulas tentavas disfarçar mas de vez em quando saías da sala e nos intervalos encontrava-te a um canto, meia amarfanhada, as lágrimas correndo sem parar. Depois soube porquê e ao longo destes anos aprendi a conhecer-te.

Tanta coisa se passou entretanto ... o emprego perdido, os amores, os filhos, a mudança de casa, o curso terminado. E as derrotas e as vitórias e a doença e os combates. Ganhaste um espaço na minha vida - um espaço que antes nunca havia sido ocupado por ninguém. Contigo, consegui abrir a minha vida e o meu coração. Contigo chorei já tantas vezes. É a ti que procuro quando estou mal e também quando estou feliz. É contigo que partilho os sonhos e é também em ti que deposito os segredos. E nunca mais vou esquecer aquele dia (tu sabes qual) em que me abraçaste com força e não conseguiste controlar as lágrimas.

Foi contigo que aprendi que a amizade também se exterioriza num abraço e que não há que ter medo de mostrar, quando gostamos de alguém.

São para ti Amiga-Irmã que vão estas palavras.

Porque hoje fazes anos.

Por seres como és.

(Imagem do Google)

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Aniversário

Está quase a fazer um ano!
(Há sempre uma primeira vez...)
Quantas vezes revivo
(Estava frio como agora)
a viagem
(o sol brilhava)
a expectativa
(no olhar)
a surpresa
(nos gestos)
o encontro
(mais que desejados)
Está quase a fazer um ano ...
que a procura terminou!

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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

As vezes pergunto-me ...

Algumas vezes pergunto-me
e se?
depois, afasto a dúvida e olho para o último ano.
mês a mês.
dia a dia.
hora a hora.
Por vezes pergunto-me se será verdade?
olho para trás e revejo cada dia, cada momento, cada palavra
e concluo que os dias se tornaram mais claros,
os momentos foram únicos
e as vozes presentes.
Às vezes pergunto-me se mereço?
se ainda estou a tempo?
por quanto tempo ainda?
e nesse momento respondo a mim mesma
que temos da vida o que exigimos dela,
que o tempo vivido com paixão é um tempo duplamente vivido
e que ganho em cada novo dia,
mais um olhar,
mais uma palavra,
... mais um dia.

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sábado, fevereiro 03, 2007

Olhar para dentro

Olho-os na velha fotografia a preto e branco e lamento nunca os ter visto assim.
Sorridentes os dois. Ela com o braço esquerdo sobre o ombro dele mostrava a aliança recém-colocada. Ele colocando-lhe afectuosamente a mão na cintura. Reconheço o sorriso dela - tantas vezes me sorriu assim! Não o dele. Olho mais perto uma e outra vez e tento ler o que dizia aquele sorriso, tentando reconhecê-lo, e no entanto, é-me completamente estranho.
Foi um dia há cinquenta e quatro anos atrás e é desse dia, apenas desse único dia, que eu guardo esta imagem única.
Não recordo tê-los visto juntos. Raramente quando a eles me refiro, lhes chamo "os meus pais". Sempre foram "o meu pai" e "a minha mãe".
Ele morreu primeiro. Recordo a minha frieza. Impossível sentir dor. Impossível haver lágrimas. Não quis acompanhá-lo na sua última viagem.
Quero lembrar-me e não sei há quantos anos foi. Para isso contribuiram as visitas deliberadas pelo tribunal, a sua secura, a sua figura autoritária, as histórias ouvidas em casa da minha mãe. Para o meu afastamento contribuiram também os empurrões para dentro da piscina da Praia das Maças - eu ainda miúda -, as sucessivas quedas da bicicleta grande de mais para mim em todos os fins de semana de visita, a mudança de roupa obrigatória à chegada, e todos os carinhos que não me foram dados. Para isso contribuiu também a raiva demonstrada nas conversas lá em casa.
Hoje, depois de ser mãe e ter tido uma vida familiar normal, encontro em mim as marcas da ausência de um pai. Hoje lamento não ter conseguido chorar a sua morte e não ter exigido a minha dose de ternura. Sei que em tudo aquilo que sou estão os traços da sua falta assim como sei que apesar de tudo possuo algumas das suas características. A determinação. A atracção pelos desafios. A curiosidade. O gosto pela ordem.
Como seria eu hoje se ele tivesse sido um pai presente? Se me pegasse ao colo e me acarinhasse como tantas vezes desejei. Se me contasse histórias ou me levasse a passear. Se brincasse comigo. Se me tivessse ensinado a nadar. Se me tivesse amparado nas primeiras pedaladas. Se tivesse feito um esforço para me conquistar.
Como seria eu hoje se não me tivessem contado uma versão que eu preferia ignorar.

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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Pé de Página

Texto retirado