quinta-feira, maio 31, 2007

Apelo

Quando atravessamos uma crise podemos sempre recorrer aos amigos. Eles existem para nos acarinhar, para nos apoiar e também para nos "dar nas orelhas" quando é preciso. Há alturas porém, em que os amigos não nos podem valer. Então o que fazer? A quem recorrer?
Há uma pessoa aqui na blogosfera que precisa de ajuda. Tenho a certeza de que já tentou outros meios, mas, com esta hipótese à mão, porque não utilizá-la?
Li o seu apelo e nada posso fazer por ela, por isso achei que, no mínimo, poderia divulgar o seu apelo. Quem sabe alguém dos que me lêem poderá ajudar ...
Só lhes peço para espreitarem aqui e depois ... é só passar a palavra ...

sábado, maio 26, 2007

O vendedor de nougats

Chegava a meio da manhã, já o sol queimava. Antes de o ver já o ouvia ao longe apregoar bem alto o que trazia no cesto de verga para vender. Nos últimos anos, e porque talvez o cesto se lhe tornara pesado, substituira-o por um grande saco de plástico que, ora arrastava, ora carregava sobre as costas curvadas.

Há muitos anos que o conheço. Há muitos verões que o vejo calcorrear o areal de uma ponta à outra, em cada ano inventando novos pregões. A cada ano mais envelhecido e tisnado.

Chamo-lhe Vasco Gonçalves pela incrível parecença que tem com o General. Não fui eu que lhe atribuí o nome, mas uma amiga que também frequenta há vários anos o mesmo areal. Nos primeiros anos vendia nougat. "Três, ceeeem! Três, ceeeem", apregoava bem alto. Ainda era o tempo dos escudos. Todos os verões lhos comprava por diversas vezes. Língua da sogra era o segundo pregão. Trazia-as num saco de plástico transparente que agitava no ar enquanto gritava "há língua da sooooogra!!!!!" e de um qualquer canto da praia corria sempre algum miúdo agitando os braços.

Os anos foram passando. Os escudos deram lugar aos euros e todos envelhecemos um pouco mais. Também a sua face se tornou mais cavada. As maçãs do rosto mais salientes num semblante magro. As costas mais curvadas. Os olhos mais vazios e as mãos indisfarçadamente mais trémulas. No Verão passado e como sempre me acontece, ouvi em primeiro lugar a sua voz. Quando o procurei à minha volta, não o vi de imediato. Tentei chegar até ele pela voz que se projectava no ar e que aos poucos se ía aproximando.

"Olhem, olhem", gritava com aquele seu timbre um pouco esganiçado. "Está barato", "agora é barato" oiço-o dizer cada vez mais perto ... e eis que o vislumbro agitando no ar o saco de plástico com as línguas da sogra. Caminha lenta mas decididamente pela areia quente do meio da manhã. Calças arregaçadas até aos joelhos e a camisa quase a sair por fora. A cabeça, cobre-a com um velho chapéu de palha de aba larga que lhe cai sobre os olhos, resguardando-os. Chamam-no ao meu lado e ele aproxima-se para satisfazer o pedido. É nesse momento que o vejo tão próximo que a realidade me abalroa. As mãos tremem descontroladamente e os olhos que por segundos me olharam, são já aqueles olhos vazios e perdidos que a muita idade exprime e a doença realça. Vi-o muitas mais vezes o verão passado mas evitei fixar de novo o seu olhar. Um olhar que incomoda cá dentro. Uma expressão em que vejo que uma parte de si já se desligou da vida.

Há dias, ao passar na Praça de Espanha, reparo numa figura que me é familiar. O mesmo chapéu de palha embranquecido pelo sol e o saco com as línguas da sogra agitado no ar. Enquanto o sinal esteve fechado pude observá-lo um pouco. Debaixo de uma árvore estava o saco maior e ele por ali andava junto ao sinal à espera que os carros parassem para poder apregoar a sua mercadoria. Apenas vi os gestos, não lhe ouvi o pregão. Depois, o sinal abriu e ele recuou para o relvado. A cabeça baixa e os ombros mais curvados.
Senti uma enorme tristeza de o ver por ali. Uma angústia de o saber cada vez mais envelhecido e sem condições de poder parar e descansar. Ou não será assim e serei eu que estou apenas a imaginar coisas ...
Junho está à porta e qualquer dia apetece voltar à praia. Veremos se o oiço de novo: "Olhem, olhem...."

quinta-feira, maio 24, 2007

Peço desculpa por esta interrupção ...

Hoje não vivi. Passei incólume por cada hora do dia. Inerte. Apática. Solitária.
Hoje não vivi. Sobrevivi. Deixei que cada hora resvalasse em mim sem me tocar sequer. O rosto sério. Impassível e intocável.
Hoje não vivi. Como um efeito especial no cinema. O actor parado - suspenso - e o mundo no seu ritmo vertiginoso e indiferente.
Por vezes é preciso parar. Resguardar a nossa vida interior. Embalar os nossos sonhos com melodias inventadas ou exprimir a dôr como se o presente não existisse e o futuro fosse uma mera invenção. Olhar para o que as nossas mãos encerram e repetir, uma e outra vez, que é apenas isto que as nossas mãos encerram. Nada mais! E depois, ao fim do dia, finalmente dormir e deixar que os sonhos, os verdadeiros sonhos - os da noite - despontem, pintados da côr que mais quero. Anarquicamente colados. Patéticos, dourados e loucos. Agora finalmente incontrolados.

segunda-feira, maio 21, 2007

Inquietação

Texto retirado

A Su do blog Xanax atribuiu-me um Même, que agradeço e o Alexandre do blog Sais Minerais nomeou-me para mais um Thinking Blogger Award. Como tenho mais dois Mêmes atribuídos e para os quais não dei seguimento, aqui vai uma lista conjunta:

A Paixão dos Sentidos, onde se ensina com paixão!
Língua à Portuguesa, porque faz falta!
O Suor da Abelha, feito com doce empenho!
Palavra Puxa Palavra, um excelente desafio!
Papel de Fantasia, onde nos perdemos pelo meio das palavras!
Pé-de-Meia, construído com humor e beleza!
e só mais um, pronto ...
Trans-Atlântico, à procura de um porto seguro!

Os nomeados que dêem ou não, seguimento. Estejam à vontade!!!


sábado, maio 19, 2007

Encontro com o rio




Hoje marquei encontro com o Tejo. Já a tarde caía a pique quando saí de casa. Pautas debaixo do braço e determinada a fotografar o cair da noite sobre o rio. Pelo caminho fui apreciando os cambiantes de luz. O céu apresentava-se de um azul pálido, aqui e ali levemente pintalgado de rosa. Fica mais belo quando há nuvens no horizonte, refractando-se a luz nas suas várias camadas.

Ao descer do autocarro vi que à esquerda o crepúsculo era mais denso, enquanto que para o outro lado do rio, onde o sol já se havia posto, o horizonte se coroara de alaranjado.

Chegara um barco e tive que ziguezaguear por entre as pessoas que apressadas, se dirigiam para os autocarros. Homens e mulheres - muitas mulheres - em cujos olhos não se reflectia este crepúsculo que procuro.

Saem aos magotes, olhos fixos no passo seguinte, atropelando-se quase. Há despedidas e pequenas correrias e subitamente o largo fica vazio.

A luz alaranjada do candeeeiro realça a solidão do cais. Os poucos passageiros que embarcam para a outra margem, desapareceram já dentro do barco e aguardam sonolentos a hora da partida. O rio escurece a cada minuto que passa e ali à beira da água, por momentos sozinha, sobe até mim o reconfortante som da água que assedia o cais. A outra margem salpicada de um frémito de luz parece cada vez mais longe à medida que a noite cai, sobrevivendo ainda e apenas, ao fundo para lá da ponte, aquele halo derradeiro e mágico que eu tanto espero.

Procuro o melhor ângulo. A melhor luz. Procuro fotografar o que os meus olhos registaram já. Esqueço-me das horas e avanço pela beira-rio. Apoio a máquina no paredão. Debruço-me na procura do enquadramento perfeito. Alguém que passa comenta qualquer coisa sobre o que estou a fazer e nesse momento "acordo" e vejo que várias pessoas circulam também por ali. Alguns estrangeiros também de máquina na mão. Outros que procuram sítio para jantar. Volto para trás e ao passar pela grande cervejaria de esquina, noto que está cheia. Junto às janelas bem iluminadas há gente que conversa animadamente. Cá fora, as vozes chegam difusas.

Só agora me apercebo que corre um ventinho fresco e persistente. Despenteia-me. Já de costas para o rio oiço bater as portas de ferro do cais. Outro barco que chega. Já não olho. Já não fujo. Entro na noite.


(Fotos, minhas - Cacilhas, 21 horas)

quinta-feira, maio 17, 2007

Uma e vinte. Hoje deito-me mais cedo. A rotina. Sempre os mesmos gestos ao deitar e levantar.
(A gata passa aos meus pés numa corrida vertiginosa)
Gestos lentos que atraem o sono e o repouso, à noite. Gestos preguiçosos num primeiro momento que depois maquinizam até estar totalmente acordada, de manhã.
(Saltou agora para cima da cama e aos meus pés começou a amassar com as patas da frente o meu roupão enquanto ronrona de forma gostosa)
O cortinado já está meio aberto preparado para receber daqui a umas horas a luz da manhã.
(Ao meu lado, aquietou-se. Deitada, com os olhos bem abertos olha-me, enquanto espera que acabe a escrita e apague finalmente a luz)
Também às nove a luz se apagou hoje. Deste lado. Para se acender e dar vida a outro mundo, a outras vidas. Para iluminar um cenário simples e outras personagens. Para me levar a visitar um outro tempo. Outro país. Nomes estranhamente sonoros. Um palco dentro do palco. Uma peça dentro de outra peça. Actores que fazem o papel de actores. Como um jogo de espelhos que prolonga a vida daquele lado da vida ... indefinidamente ...
(Ela olha atenta para o evoluir da caneta sobre o papel para depois fugir para a cozinha com um queixume)
... enquanto que deste lado a vida aguarda que o tempo desenrole o tempo. Aguarda em silêncio que outras vozes preencham o nosso silêncio. Aguarda no escuro que essas luzes se apaguem de novo para que a vida recomece deste lado, ao nosso ritmo.
Às nove horas (ou um pouco mais) as luzes apagaram-se. Respira-se baixinho. Interrompem-se os gestos e as palavras para se ver nascer à nossa frente, outras respirações, outros gestos, outras palavras. Até que de novo o pano desça e o encantamento termine. Podemos então recomeçar!

segunda-feira, maio 14, 2007

Sonho

Acordei e ali fiquei no escuro - o coração ainda a querer saltar no peito - a rever aquele jardim. As imagens tão claras, tão presentes, como se ainda lá permanecesse, agora testemunha silenciosa do meu sonho. Certeza era a de que já ali estivera antes. Certeza de conhecer, de saber ter já sentido a mesma emoção. Idêntico cansaço. Sei-o agora, acordada aqui no escuro do meu quarto, tão seguramente certa como o estive enquanto percorria sonhando as veredas escuras daquele jardim. Veredas de arbustos ladeadas. Veredas sobre as quais se debruçam prescrutadores os longos braços envelhecidos de antiquíssimas árvores. Hoje lamacentas e mais tenebrosas. As escadas que desci, partidas em dois sítios, dificultavam a descida, obrigando a um esforço ainda maior. As miúdas caminhavam à frente em passo apressado sem olhar para trás. Mais devagar! gritei-lhes, esperem por mim! mas foi sem olhar para trás que me responderam, ignorando o meu pedido. O cansaço tomava conta de mim como um fardo e eu sabia que sempre fora assim. Soube-o no sonho quando tentei acompanhá-las e soube-o depois, quando acordada já no escuro do meu quarto, revia, com o coração a querer saltar do peito, as passadas esforçadas com que me arrastava por aquelas veredas pardas e lamacentas. Também das outras vezes o caminho se tornara penoso. Idêntico caminho no mesmo jardim. Idêntico cansaço que eu sabia não poder combater.
Da persiana escoa-se um feixe de luz amarelada que se projecta sobre a cama. O silêncio ganha-me. Enovelam-se as imagens e é nesse redemoinho que me envolvo perdendo de novo a consciência.


Agradeço à Maria do blog O Cheiro da Ilha e à Isabel do blog Bom Dia Isabel o "Meme" que me atribuiram. Para continuar a cadeia devo escolher sete blogs. Amanhã sai a lista dos nomeados!

terça-feira, maio 08, 2007

já não sei


gosto mais de ti que de chocolate, pensei. sim, posso começar assim. é uma frase gira para o início. digo-a de novo. gosto mais de ti que de chocolate. sim, pode ser. e depois ... depois, o que se segue surge-me de imediato. o problema é que o chocolate, eu tenho-o na gaveta. e a ti ?? ... uma enorme barra de chocolate preto. alguém me disse que era este que fazia bem. nada de chocolates de leite. nada de chocolates com amêndoas ou nozes ou avelãs. só chocolate preto. amargo. quando o vi na prateleira do supermercado não hesitei. era a maior barra de chocolate que lá estava. que exagero pensei. mas se me disseram que era do que não fazia mal, qual o problema? e até nem era caro nem nada. nem cabe na gaveta da secretária de tão grande que é. está encostado à parede do armário à espera. à espera que eu me decida a comê-lo. perdi-me outra vez porra. estava tão engraçado este pensamento. gosto mais de ti que de chocolate. muito mais até, pensei sorrindo. pode ser assim o começo. então porque é que ao chocolate, o tenho na gaveta? e tu onde estás? longe. demasiado longe para te tocar, quanto mais para te saborear. tocar é bom sim. saborear melhor ainda. doce com um leve aroma de picante. tipo magnum novos sabores com aroma de pimenta. exquisite diria a minha filha quando me explica que há palavras que só adquirem o exacto significado em inglês. excentricidades de quem fala bem uma língua estrangeira. tentador penso eu que sou mais terra-a-terra. mas deixa-me voltar ao princípio. gosto mais de ti que de chocolate. realmente já era tempo de lhe dar uma dentada e reduzi-lo ao tamanho exacto em que passe a caber na gaveta. amargo. aquele travo que faz com que se deseje mais ainda. a contradição no paladar. como a tentação. querer e não querer. o bem e o mal. o desejo e a moral. o longe e o perto. porque me fui lembrar agora disto? à noite devemos afastar os maus pensamentos. há que pensar em coisas calmas. doces. chocolate. tu. e lá fugi eu de novo. não consigo mesmo escrever nada de jeito hoje. como é que começava? gosto mais de ti que de chocolate. é verdade o chocolate. deixa-me ir buscá-lo. abri-lo. partir dois quadrados. tão negro e aromático. tão ... tão ... aqui na minha mão. hummmm acho que afinal gosto mais de chocolate!



Recebi mais duas nomeações do Thinking Blogger Award. Do meu amigo Viajante do blog Trans-Atlântico e da Isabel do blog Bom Dia Isabel, dois espaços que não deixo de visitar diariamente. Para os dois o meu abraço e o meu obrigada.

sábado, maio 05, 2007

E se subitamente a Estrada ...


Confiante, caminhas. Iluminada por uma vontade que te incita a prosseguir. Avanças lentamente por uma Estrada colorida de matizes. Campos verdes sem fim. Aroma de Vida no ar. Enfrenta-la sorrindo.

(E se subitamente ... )

Os olhos brilham e antecipam longos passeios à beira-mar. Os pés nus sentem já o contacto da areia molhada. De maresia se inundam os pensamentos. Doce é o crepúsculo das tardes de Verão que hão-de vir.

(E se subitamente a Estrada ... )

Dá-lhe a mão. Caminha ao seu lado. Sorri. Canta. Dá-lhe o coração. Mergulha no seu olhar. Penetra-o. Sente na pele o refrescante roçar do Amor. Lê os gestos e decifra as emoções. Dá-lhe a Vida e em troca recomeça. Do zero. Por uma Estrada em que não vislumbras o fim.

(E se subitamente a Estrada terminasse ! )
(Fotografia retirada das Imagens Google)