terça-feira, outubro 18, 2005

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"Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado.
Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar."

PESSOA, Fernando, O Livro do Desassossego, Novis, p.174

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este teu texto está magnífico, faz-me lembrar um pequeno poema meu que trespasso:

Que sou?
Quero ser o que sempre fui
e que fui ou que sou eu?
Apenas o reflexo
que sempre desejei ser...
NADA!

7:30 da tarde  
Blogger SDF said...

"sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram"

(se alguem sabe quem é o autor desta frase, elucide-me por favor!)

9:39 da tarde  
Blogger José said...

"Não sou nada. Nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Fernando Pessoa

Espero que tenhas (em ti) todos os sonhos do mundo.
Bjs

9:19 da manhã  
Blogger Maria said...

Friedrich:
As tuas palavras são muito belas. Vão ao encontro deste texto.
Bjs.

Sandra:
Foi Fernando Pessoa que disse essa frase magnífica. E Mário Sá Carneiro disse também:
"Eu não sou eu nem o Outro
mas qualquer coisa de intermédio,
pilar da ponte de tédio
que vai de mim para o Outro"
Bjs.

Estoycomountren:
E já estás a tentar falar português! :-)) Eu ainda hei-de aprender a falar espanhol. Não deve ser assim tão difícil, já que mais ou menos percebo a escrita. Mas como estou a aprender italiano tenho medo de misturar as duas línguas e baralhar tudo.
Vou também visitar-te ao teu novo blog.
Quanto a poder ir a Espanha já é mais complicado :-))
Bjs.

José:
Às vezes esse é que é o mal!!
Bjs.

12:33 da tarde  
Blogger SDF said...

Dulce: Obrigada! Andava com essa frase solta na memória sem saber muito bem onde a enquadrar (às vezes acontece-me, deve ser um bug qualquer nas placas de memória aqui do "bioPC". Já agora não queres ir até ao fim e dar-me o contexto, ou seja, a que texto/livro do FP a frase pertence?

12:49 da tarde  
Blogger CLÁUDIA said...

Este desassossego já passou por todos nós em algum momento da nossa existência, não? Porque é inerente à nossa natureza questionar não só o que nos rodeia, mas principalmente aquilo de que somos feitos...

No entanto, muito poucos o terão conseguido escrever e transmitir como Fernando Pessoa fez.

Obrigada Dulce por mais este agradável excerto. Beijinhos ***

3:46 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

'Figura de romance por escrever', é isso que nos sentimos tantas vezes, e outras tantas nos erguemos!! Fernando Pessoa imortal! Beijos para ti

10:28 da tarde  

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