quinta-feira, setembro 04, 2008

À espera


Apesar de já aqui não escrever há muito, todos os dias por aqui passo. É um hábito, quase um vício que ainda acalento. Foi o primeiro espaço que criei. Foi o primeiro espaço onde escrevi publicamente. Foi aqui que troquei mensagens com tantas pessoas. Algumas tornaram-se reais após algum tempo. São parte integrante da minha vida. Outras têm apenas o rosto que escolhi para elas. Um rosto que desenhei com as palavras que me deixaram.

Foram muitos os desabafos que aqui deixei. Serviram para exorcizar os meus receios, para apagar o meu choro, para fazer as pazes com aquilo que sou. Através deles muitos de vós acabaram por desenhar também o meu retrato. Um retrato algo incompleto mas feito de mil e uma palavras que deixei escapar.

Não consigo voltar atrás e tornar este espaço no que foi no início. Sinto que o atraiçoo, mas também não quero continuar no mesmo tom dos últimos tempos.

O Verão está a acabar. Os dias a diminuir. O trabalho recomeça ... ou não ... mas não encontro vontade de continuar esta partilha por aqui. Não vou fechar este espaço. Não vou dizer adeus. Não sei se voltarei amanhã, para a semana ou para o ano. Neste momento estou apenas parada, à espera. De quê? O tempo o dirá!

Mantenho o meu outro espaço das fotografias. É o que me apetece fazer por agora e vou tentanto passar pelos vossos cantinhos na medida do possível.

A todos os amigos que aqui passam deixo o meu abraço.
(Foto, minha)

sexta-feira, junho 20, 2008

Que fazer com a saudade?


Que fazer com a saudade? digo eu na porta aqui mesmo ao lado ... citando um passo de um livro de que gosto muito. Que fazer quando toca aquela música na rádio e não estás aqui para te olhar? Hoje de novo, como Ontem ... mas Ontem era um dia novo. Inteiro.

Que fazer com a saudade, quando as fotos me trazem de novo momentos ainda tão vivos, onde as vozes se ouvem ainda frescas como água. Os patos naquele lago de inúmeras memórias. O verde que se renova em cada ano. O silêncio cúmplice pousado na mesa da esplanada onde as mãos são olhos ávidos que se buscam.


O céu azul de hoje é o mesmo de ontem e no entanto ... não é o céu azul de Ontem!
(Foto de J.)

terça-feira, maio 27, 2008

despedida

tinha um riso contagiante que quando começava parecia não acabar nunca, e chorava. chorava de tanto rir. ele e ela que o acompanhava e quase se engasgava também.
mas isso foi já há muitos anos que aconteceu. num tempo em que os domingos amanheciam sempre iguais quer chovesse ou fizesse sol.
havia carapaus assados no verão. assados por ele na varanda da cozinha, com calma e paciência. quando os provava dizia ele que estavam sempre secos e ela ria-se e resmungava baixinho.
havia cozido no inverno que ela começava a preparar bem cedo, coisa que eu nunca percebi muito bem. a panela era enorme e cheirava sempre tão bem.
era aos domingos e o almoço era sempre em casa deles. carapaus assados no verão e cozido à portuguesa no inverno. ao jantar havia sopa de feijão, daquela que, brincava eu, não deixava cair a colher quando se colocava na tijela. aromática. espessa. com pequenos bocadinhos de pão que a tornavam quase sopa e conduto ao mesmo tempo. tudo isto aos domingos. verão e inverno. há muitos anos.
e depois havia o natal. quando ele trabalhava na noite da consoada, atrasava-se o jantar até quase às dez horas para dar tempo a que chegasse. chegava e ainda cheirava a sabonete. chegava e mudava de roupa para se juntar a nós à consoada. ficava para trás a farda azul e o chapéu de marinheiro. ficavam para trás as longas horas de trabalho. ficava para trás o cansaço. à mesa o bacalhau cozido. as batatas. as couves. o caldo verde. o apetite calava as conversas que se guardavam para depois.
há muito tempo que não há natal como estes. nesse tempo éramos sete à mesa. o lugar da primeira que partiu foi depois ocupado por mim que não quis deixá-lo vazio, e fomos seis mais algum tempo.
soprou depois um vento de mudança e os lugares à mesa ficaram vazios. tudo se alterou e ganhou novas formas. o meu cabelo embranqueceu. o deles rareava cada vez mais. já não havia domingos como aqueles. havia outros dias da semana num calendário marcado com precisão.
ela, de braços caídos no regaço, habita um tempo que não é o nosso. olha a vida que já passou há anos. repete palavras sem sentido. às vezes acorda e surpreende-nos. às vezes fazem sentido as palavras que não repete.
às vezes ainda se encontravam nos risos cúmplices de tantos anos de vida vivida.
agora nunca mais.
o lugar ao seu lado na cama ficou vazio. ele já não responde ao seu chamado insistente. calou-se a voz que tantos anos ouviu.
no último momento não esteve lá.
eu estive, e em silêncio, de olhos fechados, trouxe-o até mim.
parou ao meu lado - o boné branco à banda de marinheiro batido, sobrancelhas fartas e sorriso maroto - e depois partiu, em passos lentos, sem nunca olhar para trás.

domingo, maio 25, 2008

Um mimo que recebi ... do Jorge



Já lá vai um tempinho que fui nomeada para receber estes dois selos e, correndo o risco de me julgares mal-agradecida, aqui está finalmente o post de referência e o meu "obrigada" por te teres lembrado de mim :-)


Dizem as regras que é necessário:


1 – Colocar o link de quem nos elegeu ou seja: Vagabundices

2 – Colocar as regras do Blog (aqui estão elas)

3 – Eleger 6 pessoas (autoras de blogs)

4 – Avisar as pessoas e deixar um comentário no seu blog

5 – Partilhar 6 coisas que pareçam importantes e 6 outras que não gostemos (ora aqui vão elas ...)


6 Coisas importantes:


- os meus amores (eles sabem quem são)

- os meus amigos (reais e virtuais)

- os meus gatos (uma dádiva que me tornou numa melhor pessoa)

- ter sempre pelo menos um objectivo em cada dia (ajuda-me a viver)

- receber um sorriso (transforma o meu dia)

- saber dar um sorriso mesmo nos dias em que nos parece impossível fazê-lo (faz-me esquecer de mim)


6 Coisas de que não gosto


- de violência

- de má-educação gratuita

- de gente vaidosa

- de desleixo e desamor por si próprio

... e estas mais prosaicas

- que me apertem o nariz :-(

- que me mexam na mala (grrrrrr...)


E agora ... os nomeados:









quarta-feira, maio 21, 2008

A última viagem

"Morrer não é acabar, é a suprema manhã"
HUGO, Víctor in Citador
(Foto, minha)

sábado, maio 10, 2008

Nocturnas cogitações

Na mesa de cabeceira amontoam-se os livros por acabar e no entanto ... aqui vou ficando presa a esta janela que me traz o mundo à ponta dos dedos.
Voltei há pouco do ensaio. Um desejo de há muito, há pouco tempo concretizado - cantar. A voz não é a que eu gostaria - mais potente e mais flexível - mas é a que me resta. Valha-me o ter deixado de fumar há quase quinze anos ... Com algumas apresentações a aproximarem-se o maestro torna-se mais exigente, para culminar no último ensaio num estado de exigência que nos deixa a todos à beira de um ataque de nervos, e no entanto ... todos nós voltamos ... dia após dia ... com a mesma vontade de cantar e, como alguém diria, "de encantar"!
Ao chegar a casa, os gestos repetem-se. É a conversa e o mimo aos gatos que me recebem com marradinhas e pedinchices. Liga-se o computador e faz-se o chá. Espreita-se a tv onde o Malato continua a surpreender-me. (não sei se sou demasiado exigente ou se já perdi a paciência para a programação da nossa televisão) Tiro o som à caixinha mágica porque começo a pensar em escrever alguma coisa.
Não! Devia, era ir para a cama!
Os meus horários cada vez estão mais distendidos para o lado da noite. Perco-me por aqui nesta rede de caminhos que se cruzam e entrelaçam levando-me de sítios conhecidos a outros a que nunca antes tinha pensado ir. É mais ou menos como as conversas. Já dizia a minha avó que são como as cerejas. Atrás de umas vêm outras.
Por isso me lembrei dos livros que me esperam na mesa de cabeceira.
Vejamos: há os últimos três capítulos do livro da Isabel Allende, A Soma dos dias, que teimo em chamar de a sombra dos dias. Umas míseras quinze páginas que se vêm arrastando ao longo de alguns minutos que eu tento ganhar ao sono em cada noite que passa. Depois, O Codex que começou muito bem, velocidade elevada, ritmo certo, para depois derrapar em intermináveis descrições que me tiram a vontade de continuar. E no entanto, falta muito pouco ... E por último, um livro de contos: Cal, de José Luís Peixoto, que me levou ligeira até à página cento e vinte e dois, para depois estacar perante um trecho de teatro que teimo em não ler.
Dantes, nunca deixava um livro assim, meio lido. Dantes, não acumulava livros à cabeceira. Lia-os de ponta a ponta, obrigando-me a deglutir até aquelas partes mais monótonas, fazendo por vezes um esforço para chegar à última página, mas isso era antes ... antes dos cinquenta, antes de olhar para mim e aceitar aquilo que sou com todas as imperfeições a que tenho direito. Antes de mim!
(...)
(olhando para esta caixa sem som encontro de repente alguém que estava adormecido no fundo da memória. Frei Hermano da Cãmara. debato-me se ponho som na tv ou não, no fundo tentando não estragar o resto do que guardo)
(...)
(não resisti e nesse gesto recuei 30 anos ... )
(...)
(não resisti e fui pesquisar na net a biografia do dito Frei: 75 anos em 2008 ...)
(...)
(não resisto a pensar que certas opções de vida não desgastam ... ou então é a vida artística que o exige ... Que mal haverá em deixarmo-nos envelhecer naturalmente? As rugas e os cabelos brancos também contam a nossa história ... Relembro a minha avó prematuramente envelhecida pelo desgosto da perda de um filho. Relembro-a nos seus belos cabelos brancos suavemente ondulados e na sua postura orgulhosamente erecta. Feições ríspidas, ou tristes talvez, e no entanto ... a melhor contadora de histórias que eu poderia ter tido. A avó mais doce ...)
(...)
Falava eu de imperfeições antes de me ter perdido nestas nocturnas cogitações ... e de livros, e de escolhas.
Um-dó-li-tá, dizíamos nós na infância ... evitando assim a responsabilidade de uma escolha.
Um-dó-li-tá, e o dedo espetava-se para a frente na urgência de chegar ao fim.
E agora de novo ... só mais uma vez ... um-dó-li-tá ...
Está decidido ... vou dormir!!

segunda-feira, maio 05, 2008

Conversas nocturnas


A noite parecia estar no fim. A nova série, Contemporâneos, que antes havia sido apresentada como Comtemporâneos, o que me deixou pensativa a olhar e a pensar o que havia ali de errado ... não me convenceu! Depois, foi mais um passeio a um passado recente onde as memórias estão ainda tão frescas. Os velhos táxis, as imagens de Lisboa a preto e branco, as roupas das senhoras, a menina emília que apanhava malhas das meias - lembro-me bem de ver a minha mãe a fazer o mesmo - realidades hoje quase esquecidas por todos nós.
Parecia acabada a noite televisiva. Depois ... o telefone tocou. Falou-se do dia, do meu e do teu, e vim sentar-me à frente do computador e ligar a câmara, mas nada aconteceu. Do outro lado, os bocejos mostravam bem que a vontade era de dormir. Faça-se então a tua vontade. Durma-se! Às despedidas seguiu-se o silêncio.
Na sala, a tv falava baixinho e deixei-a ficar ... talvez os gatos ocupassem o meu lugar no sofá ... talvez a voz se cansasse de falar para uma sala vazia. Peguei um copo no armário e despejei o resto do Baileys. Não, não era o suficiente mas que fazer? era o que havia! Trouxe o copo para o escritorio e pousei-o na secretária. Desliguei o msn e com os cotovelos apoiados na mesa, apoiei a cabeça que teimava em tombar. Sono? não propriamente ... O ecrã olhava-me fixamente e incomodava-me a sua insistência. Pensei em escrever, mas o quê? Devia escrever ... deitar cá para fora aquele peso que tantas vezes me asfixia ... escrever o quê? para quê?
O tal livro que a L insiste que eu escreva. Até já tenho o título. Dois até. Conversas nocturnas. Ou melhor ainda - 38, rua da ferradura. Mas a pergunta mantém-se. Escrever o quê. Apenas sei escrever sobre mim, fechada no meu pequeno mundo que às vezes me parece imenso e perdido. Depois ... o telefone voltou a tocar. Era a L que está sozinha esta noite. Ela não sabe, mas eu gosto quando ela está sozinha. (Não sabias isto pois não L?sim, eu sei que me vais ler). Gosto de te saber feliz mas sinto também a tua falta nos outros dias. Egoísmo meu talvez ... sei que nestas horas estás disponível para mim e eu não sinto que esteja a roubar-te tempo. O tempo das confidências. As tuas e as minhas. Primeiro falaste tu, depois abri a comporta e foi a minha vez. Sei que contigo posso falar. Sei que mesmo que não concordes ou não compreendas, me ouves com carinho e atenção. Sei que posso dizer tudo. Falar das minhas dúvidas e dos meus medos. Porque tu és a irmã que não tive, a mão que segura a minha se eu precisar. (Não chores faz favor - nada de pieguices - já basto eu que pareço uma maria chorona!!)
Depois acabámos a falar de Inglaterra e do nosso próximo passeio. Já falta pouco ... tanta coisa que eu já fiz nestes últimos anos ... tanta ainda que gostaria de fazer ...
No fim também já bocejavas ... já tudo tinha sido dito ... hoje ías dormir sozinha. Sentias a falta da companhia ... do pé que se procura debaixo dos lençóis ... da presença que se adivinha antes de se sentir ... da respiração pausada que paira ao nosso lado. Também sei ...
Fiquei aqui, telefone desligado, a retribuir hipnotizada, o olhar insistente do monitor. Escrever para quê? Falar de quê?
Abri a cama. Desliguei finalmente a tv da sala que continuava a falar para o vazio. Apaguei as luzes da cozinha e vesti o pijama e o roupão. Os gatos estavam deliciosamente deitados nas suas pequenas almofadas. Esperavam-me mas, só mais um pouco ... voltei a sentar-me frente ao computador. O copo já estava vazio. Era a hora de atacar o chocolate negro sem açucar que guardo dentro da gaveta da secretária. Há dias em que consigo resistir-lhe pensando na linha e na praia que está tão próxima e no bikini que ficou por estrear do ano passado (será que me serve ainda?). Outros dias há que as mãos são mais céleres que a vontade e são dois ou três pequenos quadrados que mastigo quase com mais raiva que paixão - a linha esquecida e a dieta adiada, porque algo mais forte que isso se impõe e me ganha.
Hoje foram só dois. Dois quadrados. Ao guardar o resto na gaveta, espreita-me ao fundo o maço de tabaco que a L um dia me pediu para guardar. Passo-lhe os dedos por cima, suavemente. Inspiro o aroma que ainda imagino e fecho a gaveta. Não me vejo a voltar atrás. Ou vejo se calhar ... por vezes apetece-me mergulhar de novo naquela embriaguez ... mas não o faço. Sei que se voltar a acender um único cigarro que seja, nunca mais páro. E contudo já lá vão quinze anos.
Conversas nocturnas, poderia ser o nome do livro ... ou 38, rua da ferradura ... ou então, apenas mais um monte de palavras jogadas aqui. Mais um pedaço de mim. Quem saberá juntar as peças?


(A Wind presenteou-me com o Selo da Amizade que está no topo deste post. Peço desculpa de não fazer a distribuição "como manda o figurino", mas remeto-o para aqueles que me estão mais próximos e que assim o sentem, incluindo tu - Wind)