domingo, julho 16, 2006

Poema do domingo

Gedeão escreveu um poema com este nome. Começa assim:

"Aos domingos as ruas estão desertas e parecem mais largas."

Passei a manhã sentada na esplanada do "meu café dos domingos". Por vezes é difícil encontrar uma esplanada com algum recolhimento - algum do silêncio que preciso para escrever e pensar. Ali, hoje, consegui essa calma, concerteza à custa deste dia de intenso calor. As poucas pessoas que ali se encontravam liam pacatamente o jornal, e nem as conversas tidas em voz baixa, perturbavam o silêncio da manhã. Pude então pensar e escrever como gosto. Depois chegou a minha "amiga dos domingos" - companheira fiel desde há uns seis anos a esta parte. Foi ela minha professora de Inglês quando me decidi a retomar os estudos. Do convívio que só as aulas a adultos permitem, nasceu uma amizade que se veio a fortalecer com os anos. Já lá vão seis pelo menos, e o hábito do cafézito aos domingos enraizou-se. Sem combinações prévias e apenas a certeza de um encontro naquele café sempre mais ou menos por volta da mesma hora. Desde os primeiros encontros que as conversas correm fluidas, facilitadas por uma empatia que nasceu desde cedo. Um pouco mais velha que eu e com uma rica experiência de vida, sou eu que sempre mais aprendo com ela, dando-lhe em troca toda a minha capacidade de saber ouvir.
Café tomado, cada uma ruma às suas casas - às suas responsabilidades - desejando-nos mútuamente uma boa semana. No próximo domingo lá nos encontraremos de novo para pôr a conversa em dia, contar as últimas novidades ou chorar as últimas mágoas, numa amizade que se quer feita de partilhas.
Pagos os cafés saimos para a rua, e é aí que lembro o poema de Gedeão.
Encontrar no centro da cidade um momento de profundo silêncio é coisa verdadeiramente rara. E foi com esse silêncio que nos deparámos. Ela notou-o primeiro e até falou baixinho com receio de o perturbar. Nem um carro passava, nem uma fala se ouvia ... Durante uns poucos segundos o silêncio foi total.

"É domingo. E aos domingos as árvores crescem na cidade, e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas."

Despedimo-nos e cada uma seguiu o seu caminho. Um pouco depois, um novo silêncio, mas desta vez entrecortado pelo cantar das cigarras.
Sempre alio o Verão a este cantar. Intenso e persistente, corta o ar vibrando nos nossos ouvidos. Lembro com ele os regressos a casa ao fim da tarde depois de um dia de praia. Os sapatos pisando os ramos secos no caminho, o sol já baixo razando o horizonte. E aquele acompanhamento vibrante que enche o silêncio. Depois, junto à tapada, olhando por entre os juncos, viam-se os sapos em pequenos saltos assustados para dentro de água e mais à frente, da lisura das águas emergiam subitamente em redondos saltos, alguns peixes.
Mas esses foram outros domingos, lembrados em "slides" que vêm agarrados aos sons, e este domingo de hoje é na cidade. Nesta cidade que como diz Gedeão "as ruas ficaram mais largas, o ar mais limpo, o sol mais descoberto".

7 Comments:

Blogger wind said...

Do que aparentemente é o mais banal tu prendes-nos a atenção.
Temos escritora, só falta encontrar editor:))))
beijos

2:18 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Domingo. Concordo com o Poeta. E tu, Dulce, escreves sempre tão bem. Obrigada por te poder ler. Beijos.

4:12 da tarde  
Blogger Era uma vez um Girassol said...

Gedeão na sua linguaguem poética, desenhando as sensações provocadas por um dia de domingo versus ausência de gente...
Mas o teu texto, Dulce está de uma doçura, relatado de coração aberto, alma livre.
O domingo, o sossego e paz esperadas para reflectir e escrever, a presença da amiga, um ritual precioso, que completa o quadro. A necessidade de falar, de ouvir, de estar com alguém com quem temos empatia.
Um bem, esses domingos no café, valem muito!
Todos precisamos de momentos assim!
Obrigada pela visita!
Beijinho

6:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

...escreves com a nítidez de um dia de sol,céu azul...e vontade de viver.

Escreve sempre minha querida Dulce.

Obrigada pela tua
tão doce visita.

9:41 da tarde  
Blogger José said...

Domingo urbano, despovoado da poluição mas povoado de grande fraternidade, lembrando também o professor.
Beijos duces

11:59 da manhã  
Blogger CLÁUDIA said...

Adorei a tua manhã de Domingo! :))

Sabes uma coisa? Os teus textos parecem ter um qualquer mecanismo de tele-transporte... ;))
É isso mesmo. Têm um poder tal que parecem levar-nos direitinhos até aos sítios e contextos que tão bem descreves. E quando damos por ela: estamos lá! E quase somos tu...

Espero poder continuar a ler-te por muito tempo.

Beijinhos grandes e boa semana ***

3:09 da tarde  
Blogger Su said...

gostei de ler.te mas sabes eu detesto od domingos....
jocas maradas de dias

11:27 da manhã  

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