A fotografia que não tirei
Posso fotografá-lo? Era isto que eu devia ter dito ontem à noite quando passei por ele. E depois ... ouvir um sim ... ou ouvir um não ... ou simplesmente dar-lhe algum dinheiro para o fazer. Mas não tive coragem.
Foi no Rossio ontem à noite. Meia-noite e tal. Uma noite de Verão abafada, onde a brisa desejada mal se fazia notar. Atravessava o largo conversando e olhando as poucas pessoas que por ali circulavam. Só o vi quase no momento em que passei por ele. Parecia uma fotografia antiga em contra-luz, recortado na noite - apenas iluminado o seu recorte.
Encostava-se a uma estrutura metálica que lembra uma fonte (será mesmo uma fonte?), numa posição quase elegante.
Vestia de escuro - cinzento ou apenas sujo - e pareceu-me que vestia mais roupa do que seria desejável para uma noite quente como a de ontem. Com o cotovelo apoiado na estrutura, olhava para baixo. O cabelo era escuro - ondulado, despenteado, denso -, e a barba comprida e revolta.
Presa da sua imobilidade, procurei com o olhar o que ele olhava com tanta atenção. No calcetado da praça dispunham-se junto a ele, dois pequenos e redondos focos de luz amarelada. Com um dos pés descalço - o sapato gasto e sujo ali ao lado - colocava-o, apenas apoiado sobre o calcanhar, sobre o foco de luz, e olhava-o. Aquecia-o talvez. Procurava algum conforto.
Olhei também aquele pé grosseiro de pele escurecida e suja banhado por aquela luz amarelada. Destacava-se.
Foi tudo muito rápido. O tempo de passar caminhando ao seu lado. O tempo de um olhar para trás e nada mais.
E a fotografia tirada apenas com a memória, naquela praça quase deserta, quase bela. Uma quase perfeita fotografia que não tirei.
Foi no Rossio ontem à noite. Meia-noite e tal. Uma noite de Verão abafada, onde a brisa desejada mal se fazia notar. Atravessava o largo conversando e olhando as poucas pessoas que por ali circulavam. Só o vi quase no momento em que passei por ele. Parecia uma fotografia antiga em contra-luz, recortado na noite - apenas iluminado o seu recorte.
Encostava-se a uma estrutura metálica que lembra uma fonte (será mesmo uma fonte?), numa posição quase elegante.
Vestia de escuro - cinzento ou apenas sujo - e pareceu-me que vestia mais roupa do que seria desejável para uma noite quente como a de ontem. Com o cotovelo apoiado na estrutura, olhava para baixo. O cabelo era escuro - ondulado, despenteado, denso -, e a barba comprida e revolta.
Presa da sua imobilidade, procurei com o olhar o que ele olhava com tanta atenção. No calcetado da praça dispunham-se junto a ele, dois pequenos e redondos focos de luz amarelada. Com um dos pés descalço - o sapato gasto e sujo ali ao lado - colocava-o, apenas apoiado sobre o calcanhar, sobre o foco de luz, e olhava-o. Aquecia-o talvez. Procurava algum conforto.
Olhei também aquele pé grosseiro de pele escurecida e suja banhado por aquela luz amarelada. Destacava-se.
Foi tudo muito rápido. O tempo de passar caminhando ao seu lado. O tempo de um olhar para trás e nada mais.
E a fotografia tirada apenas com a memória, naquela praça quase deserta, quase bela. Uma quase perfeita fotografia que não tirei.
13 Comments:
Tantas fotografias que não tiro e que na memória se bastam. Essa, que não tiraste, é bela. Beijos.
Afinal tiraste...
Acabei de a ver, quando li o post.
Bjs.
É verdade...embora não a vejamos com os olhos, vemos-a com a alma através das tuas palavras amiga!!!
O concerto foi bom??? imagino que sim!!!
Beijinhos e sim, tou melhor!!!!
Ana Paula
Tiraste sim:)
Se fosse eu tirava-a com a máquina mesmo. Tenho especial carinho e empatia por sem abrigo.
beijos
Esse coração é um diafragma aberto, esse olhos são uma objectiva de grande nitidez e este texto é uma fixação em papel fotográfico, espantoso.
Beijos fotogénicos :))
Olá amiga... assim k publicares um livro... sou a PRIMEIRA a comprar!!!! As tuas palavras prendem-me ao monitor e depois.... ohhhhh.... já acabou.... :(.... ADORO ler-te!!!!!!
Beijinhos***
Talvez tenha sido ainda mais interessante assim. Não tiraste uma fotografia. Tiraste várias.
Tantas quantas as pessoas que por aqui passarem e lerem este teu belíssimo texto.
Na mente de cada um de nós vai inevitavelmente criar-se uma imagem toda ela baseada nas tuas palavras e na tua descrição. Mas certamente nenhuma das "fotografias" que vamos criar mentalmente ao ler-te será fiel à realidade que descreves nem haverá nenhuma exactamente igual à outra entre os teus leitores. Daí eu ter começado por dizer que tiraste várias...
Obrigada pela imagem fantástica!
Beijinhos *** Fica bem.
A fotografia foi realmente tirada, apenas só podemos vê-la nas tuas palavras...
(boa sensibilidade)
Com olhar te seduzo
Com sorrisos te conquisto
Na ternura te provoco
Nos beijos te embriago
Olhar... Sorriso... Magia...
Nos gestos te atraio
Nos carinhos te prendo
Na sedução te enlouqueço
E em teus braços me entrego
No calor dos desejos me aqueço
Me inebrio em seu perfume
E me perco em você
Essa foto foi registada talvez para sempre... em ti.
Tantas saudades do Rossio ...
Bji
Gostei desse texto. Vou ler os outros. Mas desde já sei que vou voltar sempre.
bjinhos
desire
Dulce consegui ver nas tuas palavras a fotografia "que não tiraste"
o texto está perfeito e envolvente
é impossível ficar indiferente quando se lê algo teu
um beijo meu, menina linda
lena
Que bela fotografia. Das mais nítidas que já vi!
Também espero ansiosa pelo teu primeiro livro.Quero um só para mim, autografado, claro!
Beijos
Ana Parreira
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