sábado, julho 15, 2006

Noite

Naquela planura iluminada pelo luar apenas o mar se ouvia. As estrelas eram os únicos focos de luz que pareciam decorar aquele toldo imenso e negro que nos abrigava. As ondas acariciavam a areia de mansinho, numa volúpia lenta que a humedecia e a deixava borbulhante de vida.
Ao longe dois pontos de luz à beira-mar. A sua intensidade não deixava perceber o que havia à sua volta. À medida que nos aproximávamos distinguíamos alguns sinais de vida. Várias pessoas se agitavam à sua volta enquanto outras mantinham alguma distância.
Um pequeno barco chegara e era o peixe que se aguardava.
Parámos. Ficámos presos daquele círculo luminoso, qual mariposas atraídas pela luz. As pessoas tendiam a fazer um círculo à sua volta. O tractor puxou a rede que à primeira vista parecia quase vazia. Depois, um plástico grande foi estendido na areia e a rede despejada do seu conteúdo. E foi a vida em fim de tempo que ali brotou.
Centenas de pequenos peixes prateados viviam freneticamente os seus últimos minutos. Não os reconheço mas ía ouvindo falar de sardinha e carapau e também de robalo. Três ou quatro recipientes foram atirados para o meio do peixe e a azáfama tomou conta dos pescadores. Vestidos de escuros oleados, a cabeça coberta e as mãos enluvadas, debruçaram-se sobre o pescado e rapidamente o separaram por espécie. De vez em quando atiravam para trás de si um ou outro peixe, um ou outro caranguejo, um ou outro peixe aranha que os miudos espreitavam com curiosidade. Estas sobras eram rapidamente apanhadas pelas pessoas que, num círculo concêntrico se dispunham à volta do palco principal.
Aos nossos pés a vida tardava a esvair-se. Os olhos salientes olhavam o irreconhecível, a boca abria-se num desespero de encontrar o alimento para a vida enquanto o pequeno corpo vibrava violentamente ao ritmo dos últimos acordes de uma trágica melodia.
Um pescador pegou num deles e depois noutro, e com um movimento brusco e seco atirou-os de novo ao chão, cessando assim de imediato a sua luta pela vida.
Na areia molhada, agora apenas os vestígios de uma cena que terminou. Pegadas e rastos que o mar lentamente há-de recuperar para si.
A noite retoma o seu lugar preponderante, engole a vida que se dispersa e espalha sobre nós o seu inimitável manto de silêncio.

7 Comments:

Blogger wind said...

Belíssima descrição!
Também já assisti a isso na Costa.
Beijos

12:44 da tarde  
Blogger escrevi said...

Só tu...

Ler comentário no post anterior...

Bjs.

1:52 da tarde  
Blogger Elsa said...

beijos de saudade

espero que tejas bem!
:o))

9:39 da tarde  
Blogger lena said...

neste manto de silêncio encantei-me

hoje estou longe do mar, senti-o aqui

um beijo enquanto a noi caí e me encantou com os teus textos como sempre

lena

10:53 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Belo! Beijos.

10:12 da manhã  
Blogger José said...

O quotidiano de uma guarnição que da noite faz o seu dia de labuta.
Muitíssimo bem descrito.

11:45 da manhã  
Blogger saisminerais said...

hum afinal registas-te tudo ao pormenor! Muito bem escrito, consigo imaginar ao pormenor todo o acontecimento...
Espetaculo que se assiste e não esquece.
beijos

8:58 da tarde  

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