Resposta a um pedido
Pedes-me para escrever e eu procuro-me dentro das palavras.
Não sei se compreendes isto que te quero explicar. É que, para escrever, não basta pegar na caneta para logo as palavras dela escorrerem num automatismo mediúnico.
Não basta olhar para um ecrã vazio para que as ideias fluam e se convertam em gestos lógicos sobre o teclado.
Não sei se compreendes ... para mim não é fácil. Há que amadurecer a ideia como um fruto e depois esperar que caia - madura e apetecível. Há que lhe tomar o peso, sentir-lhe o aroma, dar-lhe a primeira dentada. E quantas vezes é deitada fora, quando me apercebo que o seu interior está impróprio para consumo ...
Não sei se compreendes ... É que há tanta coisa que posso dizer e tão pouca que posso contar.
Páro para melhor pensar nos últimos dias, mas deles prefiro nem falar. Não posso e não quero, ou corro o risco de me afundar de novo em toneladas de perguntas sem resposta. Não quero e não posso, pois me arrisco a mergulhar num denso caudal de mágoa.
Corro então à procura de outras lembranças há muito guardadas no baú das memórias. Chegada a este ponto interrogo-me sobre qual o caixote que vou abrir? O das más memórias que quero esquecer, ou o das memórias mais ou menos recordáveis? Não, hoje não me apetece estar a divagar sobre lágrimas e angústias ... bolorentas bolas de papel amarrotado jogadas a um canto.
Procuro as memórias de infância - aquelas que amareleceram ao longo destes anos mas que exalam ainda o odor doce dos cabelos encaracolados das crianças. Aquelas escritas em velho papel manteiga agora já ressequido e estaladiço. Este aqui fala da minha avó Generosa e aquele outro, - não! muitos! - do meu pai. Passo uma a uma estas recordações e distanciando-me, quase parecem não me pertencer.
(O que o tempo faz!! como transforma e dulcifica as lembranças! Como a distância se faz barreira e nos conduz a um novo olhar!)
Uma velha lenga-lenga esvoaça à minha volta - tão balalão, cabeça de cão - enquanto do velho caixote se desprendem e me seduzem as notas já ferrugentas de uma antiga canção de embalar.
À pressa ato as velhas fitas fugindo do que me persegue e ensonada perco-me por entre palavras que já sonho.
Pediste-me para escrever ...
Amanhã ... talvez amanhã ...
(Imagem do Google)
28 Comments:
As memórias são sempre vividas no presente, não é?
O que hoje podes recordar é o que a tua mente permite... se estás triste... torna-se dificil colorir as memórias de ocres alegres.
Não imaginas como me foi familiar o teu pensamento: "É que há tanta coisa que posso dizer e tão pouca que posso contar"
Beijo
Beijinhos grandes para ti, Amiga :-)
Tens um desafio no meu blog. Quando puderes, e se o entenderes, dá-lhe continuidade.
Beijinhos
É terrível quando há tanto para dizer e pouco para contar.
Excelente prosa:)
Andas tão triste:(
Beijos
WIND já disse tudo.
Plagiando a Wind( desculpa...)'excelente prosa'!! Beijos.
Completamente de acordo: para escrever é necessária muita coisa, sobretudo, ideias e emoções.
Bjs
Compreendo-te! Como te compreendo!...
Deixas-me completamente sem palavras.
Fiquei totalmente "desarmado" depois de ter tido o privilégio de usufruir deste momento de extrema beleza e sensibilidade. Parabéns e obrigado!
Abraço
Jorge
http://vagabundices.wordpress.com/
Dulcíssimas, as palavras-amarradas-com-fitas. Senti o que o tempo nos faz, através de ti. Bjs
Fizeste desfilar as tuas memórias de infância de uma forma tão doce! Acho que os sonhos devem ter sido muito belos. Estou a gostar muito da tua escrita.
...É que há tanta coisa que posso dizer e tão pouco que posso contar... A força que carrega esta tão tocante frase, denota a tua preciosíssima sensibilidade na mensagem de melancolia e ao mesmo tempo de saudosismo, dum presente para esquecer e de um passado inesquecível.
Li e reli várias vezes.
Um beijinho
do Pepe.
"Pedes-me para escrever e eu procuro-me dentro das palavras."
Estar dentro das palavras! Um sonho ou um designio Dulce?
Um beijo!
As tuas palavras, Dulce, trouxeram-me à memória outras tantas. Do baú de recordações que irei tentar fechar para sempre.
Gosto de te ler. Desculpa vir tão pouco. Mas estás no coração.
Beijinhos
Evito remexer no baú das memórias quando estou triste. Nessas alturas só consigo agarrar os momentos sofridos. Mais uma vez gostei muito de te ler. É curioso como as pessoas se identificam tanto umas com as outras.
Um beijinho grande
A "nossa" Dulce anda abatida e, a precisar de sacudir os sentimentos, para que se liberte e volte a presentear-nos com seus belos textos (tal como este) mas com a alegria contagiante das palavras.
Bom fim de semana
Bjt
/
palavras ?
sempre ...
/
ji
/
Cansada? Triste?
(sabes que gosto de te ler, sempre....)
Um beijo, Dulce
BOA NOITE DULCE
Hoje o dia nasceu
negro e amanheceu
sombras me invadem
a alma
os olhos inundam-se
lágrimas rolam
a tristeza acompanha-me
porque será?
questiono-me
mas as respostas faltam
quero tudo esquecer
voltar-me para o lado
e adormecer...
ofereço-te estas palavras singelas saídas cá de dentro, neste preciso momento. SIM, ESTAS SÃO MESMO MINHAS, podem não ser tão belas como as tuas, mas são genuínas e reais.
BOM DOMINGO.
Gostei muito de ler o que escreveste.
São as tuas palavras, mas podiam ser de qualquer de nós.
São sempre muito bonitos os teus textos.
Boa semana.
Beijinho
Lindo...
Afinal, escreveste tanto!
Bjs
Perguntas, respostas... interrogações no que dizer ou no que contar.
O baú das memórias.
A lenga-lenga, leva ao sonho, e o sonho seduz, embala. Traz à vida, outra(s) vida(s).
As palavras escritas... talvez amanhã.
Um beijo, amiga
Tenho um convite lá na página.
Quantas não são as pessoas que no seu silêncio pedem para escreveres, sabes?
Pedem porque sabes descrever a VIDA com todos os seus sentimentos que dela fazem parte. Depois a tua escrita é tão real e sincera que nos fazes apaixonar e reviver a nossa vida e outras vidas.
Que eu te continue a ler por longos anos com toda essa inspiração que tens de captar os momentos e partilhá-los.
Beijo, escrito…
Muito bom, Dulce. Desenvolves neste texto, com autentiticidade, a dura realidade da escrita, pela qual todos nós passamos alguma vez na vida (ou muitas!)
Beijinho.
Desculpa!!!!!
Alguma coisa está errada...
Começas por dizer: "para escrever, não basta pegar na caneta para que logo as palavras dela escorrerem..."
Bom, às vezes sou um pouco lerda, então todas as palavras que escreveste a seguir às referidas, vieram de onde?
Não as escreveste tu?
A beleza e profundidade do texto que li, saiu de onde?
Copiaste?
Claro que não!
É teu.
És tu.
Escreve, escreve sempre, com ou sem inspiração.
Os teus textos são sempre lindos.
O LIVRO...
O LIVRO...
Com ou sem "inspiração" escreve.
Tudo o que escreves é bonito. Apetece sempre ler mais e mais...
Beijos
Escrevi
Tem graça o adiar da escrita dp de tanto escrever, e bem.
Voltei e comigo trouxe algumas histórias e mtas imagens que já comecei a publicar.
Bjs
TD
Acho que se acabou a tinta, temos de fazer um peditório pela confederação, esta mana anda mesmo cábula!
Também me farto de lhe pedir o livro, mas acho que só existem umas páginas secretas.
Não sei porque lhe faltará a inspiração, agora numa fase tão bonita, penso eu, não será, escrevi?
Ela não escreve, escrevemos nós.
O LIVRO...
O LIVRO...
O LIVRO...
Beijinhos à irmandade, :-)
Aquém tu o dizes, o estupor do ecrã, por vezes, teima em ficar em branco.
Um beijo. Augusto
Poucas vezes me acontece ficar sem palavras.
Como “politico” que sou, sou igualmente “aldrabão”; não que queira, mas pouca gente aceita a verdade. Hoje Dulce, deixaste-me ficar sem palavras.
Mais do que ler, senti.
Senti as tuas palavras escritas, senti para alem das letras, senti o som da alma, se é que isto faz sentido.
(tão balalão – cabeça de cão - orelhas de gato - não tem coração) Mas não é o teu caso, coração é o que te sobra.
“Tanta coisa que podemos dizer, e tão pouca podemos contar” só por si, este teu pensamento entrará por certo nas expressões de todos nós, os mais sensíveis, os que vivem, porque no mundo vivem pessoas maravilhosas como tu.
Não, hoje não te envio “beijitos” hoje envio-te um Grande Beijo.
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