domingo, abril 16, 2006

Páscoa


Não sei ao certo que idade têm estas memórias, mas penso que se inscrevem nos meus primeiros 7 ou 8 anos de vida.
Manhã de Páscoa. Bem cedo a casa era inundada pelo aroma do Folar acabado de cozer. Em cima da mesa ainda se perfilava um grande tabuleiro onde enfileirados, aguardavam cinco ou seis folares, todos bem decorados, a hora de irem para o forno.
Era a minha avó a obreira desta azáfama. Já no dia anterior a tinha visto de volta da farinha e do fermento, amassando vigorosamente o que hoje se transformaria neste manjar delicioso. Eu, cirandava à sua volta interessada, não em como se faziam, mas no detalhe final - o "passarinho" que colocava no topo do folar da Páscoa.
Ela chamava-lhe "passarinho". Depois de feita a bola e de colocados os ovos - dois ou quatro - passava umas tiras de massa em cruz, e na sua intercepção colocava o dito "passarinho" - uma tira fina de massa à qual dava um pequeno nó e que depois espetava com um palito para que não se soltasse, arrebitando-lhe as pontas. Depois de pincelados com ovo, lá ficavam todos bonitos e brilhantes, aguardando em fila a fase final - o forno.
Esta é a minha herança de Páscoas passadas. Esta, e as pequenas amêndoas com licor, compradas pela minha avó na Pastelaria Nacional, miniaturas perfeitas de ervilhas, favas, minúsculos bebés, estes últimos os que eu mais gostava. Não havia Páscoa que a minha avó não as comprasse para mim.
Hoje, quando passo nas pastelarias é para elas que o meu olhar foge, é dela que me recordo em cada ano.
Os folares de hoje - aqueles que se compram nas lojas - nada têm a ver com os da minha infância. Apenas se lhes assemelham no gosto a erva-doce. Os folares da minha avó eram pesados, com uma massa consistente que se esfarelava na boca, nada como estes que são leves e parecidos com qualquer bolo.
A primeira vez que a minha mãe os fez esqueceu-se de lhes pôr açucar e recordo a sua atrapalhação quando se apercebeu disso. Tínhamos que os polvilhar sempre que comíamos uma fatia.
Eu ainda não me atrevi a fazê-los. Por comodismo, e porque acho que certas coisas têm uma "marca" - algo que definitivamente as liga às pessoas que as executavam. Fazê-las é sempre uma imitação barata, é descontextualizá-las, é apoderar-me de um segredo que tem dono. É querer recuperar uma coisa que teve a sua época. Muitas vezes é estragar a recordação antiga.
Hoje, domingo de Páscoa, é destas coisas doces que me lembro. Apenas delas e das mãos que lhes davam forma.
Generosa era o seu nome. Hoje acompanha-me. Se calhar sorrindo por eu ainda me lembrar.
(Foto em www.trekearth.com)

11 Comments:

Blogger escrevi said...

Tão lindo...
Fiquei com um sorriso enternecido quando acabei de ler. E também senti o cheiro, o cheiro que tu dizes esses folares tinham. Hum...
Que cheiro bom...
Que bom recordar.

Um beijo.

1:07 da tarde  
Blogger lena said...

senti o cheiro, saboreei com o olhar...

e fica para ti um doce beijo meu

uma Páscoa Feliz, menina linda

lena

1:34 da tarde  
Blogger wind said...

:))) É bom teres essa recordação:) Beijos

3:55 da tarde  
Blogger axadresado said...

bela difenição.
voce que trata as palavras por tu.
eram outros tempos, recordar é viver. bejs

5:27 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Soube-me muito bem ler esta tua recordação :)

Um beijinho doce, amiga.

5:56 da tarde  
Blogger Su said...

belas recordações
deste lado do mar não se fazem folares
mas amendoas que mencionas levaram-me no tempo..............
jocas maradas

7:06 da tarde  
Blogger JPD said...

As recordações de infância são as melhores, as mais emocionantes.
Eu lembro-me, desde muito cedo, de um detalhe que jamais esquecerei: o «tender» a massa e a segurança com que esse ritual era cumprido. As pessoas que preparavam p~~ao ou folares, nesta época do ano, agiam com uma segurança extraordinária, nada falharia! Tanto o pão como os folares sairiam a preceito e deliciosos.
Bjs

10:28 da tarde  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Hola Dulce. Ese postre que me enseñas debe de estar riquísimo. Ahora mismo lo probaría.

Bonito lo que escribes, lleno de sensibilidad y buenos recuerdos.

Tienes que venir a visitar Zamora. Te va a gustar. Un beso.

11:19 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Amêndoas de licor...recordações de outras Páscoas não as tenho. Recordo sim, o crochet e o tricot que a minha avó fazia e que mais ninguém faz igual. Ela também me acompanha noutras memórias que me dão vida e forma ao meu sentir. Beijos, Dulce.

9:30 da manhã  
Blogger Ana Fundo said...

Hummmm...que vontade de comer esses folares feitos pela tua avó.
Quem sabe não fazes igual???
Experimenta um dia, pode ser que deixes a mesma lembrança a uma neta tua :-))))
Temos que combinar um lanche naquele "teu" café.
Beijinhos
Ana Paula

4:09 da tarde  
Blogger saisminerais said...

Ai dulce, não é justo mostrars estas coisas a mim! Já engordei dois kilos...
Lembro-me somente de umas broas com um ovo no interior que minha mãe fazia quando eramos miudos...
Mas penso que ´sempre que lembramos as coisas doces das goloseimas feitas pelas avós, que com certeza se passaram às nossas mães, nos provocam nostalgia...E quem sabe um dia passemos aos nossos filhos. Não estou propriamente a falar de mim pois não tenho decididamente jeito para... Mas outras mamãs o farão e tu não foges a regra.
beijinhos

9:15 da tarde  

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