sábado, agosto 19, 2006

Solidão

Enquanto espero o meu café da noite aqui sentada nesta mesa laranja do costume, faço algo que não é hábito fazer. Pelo menos conscientemente.
Penso em mim e nos dias ou anos que terei ainda pela frente.
Normalmente quando só, deixo que o pensamento flua, entretenho-me a construir as frases que virei a escrever mais tarde, a alinhar as palavras que, depois de devidamente encadeadas, darão lugar a mais uma reflexão.
Por vezes acho que até nem penso em nada. Se isso fôr possível ... não pensar em nada. Ficar secretamente aninhada naquele buraco vazio e escuro que me permite esconder-me de mim.
Sobrevoo a algazarra da mesa ao lado. Abstraio-me das conversas que não me interessam. Penso para mim que hoje não me apetecia estar só. Mas há uma firme recusa em chamar alguém - um amigo, uma amiga - para me acompanhar num café e numa conversa de fim de noite. Obrigo-me a estar só porque acho - entendo - que ninguém tem que aturar a minha súbita irritação ou de estar disponível para mim quando preciso.
Dirão talvez que os amigos também são para essas ocasiões. É verdade. E se fosse o inverso eu estaria disponível para um amigo. Para mim no entanto, obrigo-me a passar por um crivo em que me penalizo/obrigo a esta solidão forçada.
O café chegou e assim posso ocupar os gestos durante uns momentos.
Quando fumava, era nestas alturas que o cigarro era mais necessário.
O companheiro sempre fiel dos gestos sem rumo.
O amigo com quem dialogava em monólogos surdos.
Agora a mão agarra a caneta, enquanto esta traça no papel os rumos do pensamento. Com ela os diálogos são mais vivos, mais expressivos. Com ela disfarço a solidão e ultrapasso a inércia. Com ela crio.

(Porque não me telefonaste? perguntas tu agora.)
(Porque não estás aqui ao pé de mim neste momento em que preciso tanto? penso eu.)

A resposta é: porque a vida é feita de encontros e desencontros. De momentos perfeitos e de enganos. De desejos e de sonhos. De momentos de solidão e de partilha. E nós, simples seres humanos que nada dominamos dos mistérios do universo, apenas viajamos ao sabor do acaso, desejando apenas - sôfregamente - que os sonhos se realizem um dia.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

...que os sonhos se realizem um dia.

5:55 da tarde  
Blogger wind said...

Sou uma apaixonada pelo que escreves, e já aqui escrevi, porque há uma identificação em certas coisas que chega a arrepiar.
Estava a ler esta estraordinária "crónica" e a ver-me".
A diferença é que não escrevo, só penso:)

E agora uma coisa que não tem nada a ver, mas que foste apanhada porque és das poucas pessoas que cá estão:)

Tens um desafio no webclub cujo título é:etiquetas aleatórias.
Se não quiseres fazer aqui, faz lá nos comentários , pleaseeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee:)))))
beijos

7:00 da tarde  
Blogger wind said...

*extraordinária

7:00 da tarde  
Blogger saisminerais said...

Porque telefonei! Poque me atrasei? podes tu perguntar!
Atrasei-me mas senti eram horas de o fazer, coincidências existem.
Espero ter-te alegrado um niquinho que seja, foi bom ouvir-te sorrir, foi bom falar contigo.
Mas muito mais que sentir-te, te digo para quando voltares ao teu triste fim de dia, para me chamares.
Porque os amigos são mesmo para as marés.
Beijinhos

10:53 da tarde  
Blogger Su said...

eu gosto tanto de ler.te.........pq estou spre aí....nos encontros e desencontros.... no desejar sofregamente.......sempre.....

jocas maradas de sonhos

2:04 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

Belo texto! A resposta é essa mesma. Gostei muito. Aproveito para agradecer as palavras que me deixaste no meu 1º aniversário por aqui...Obrigada. Beijos e um bom domingo para ti.

8:52 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sabes que já algum tempo que não existe solidão?
Aquela solidão que me acompanhou ao longo de anos.
Agora existe a ausência! Já não há solidão, apenas ausência, carregada de telepatia, desejando que os sonhos se realizem um dia.

2:57 da tarde  
Blogger APC said...

Vim "conhecer-te".
(Passei pelo "palavrapuxapalavra" e vim cá dar).
E sabes que este teu texto me lembrou um post meu, named "THE CALL"?

"Saberei explicar-te porque não o atendi, se tanto o esperei? Se to explicar, saberás entendê-lo como espero?"br/>i>
Enfim... Coisas que lembram coisas, isso já se sabe.
Gostei. Com mais tempo e alma regresso.
Bem-hajas!:-)

3:41 da manhã  
Blogger APC said...

Vim "conhecer-te".
(Passei pelo "palavrapuxapalavra" e vim cá dar).
E sabes que este teu texto me lembrou um post meu, named "THE CALL"?

"Saberei explicar-te porque não o atendi, se tanto o esperei? Se to explicar, saberás entendê-lo como espero?"

Enfim... Coisas que lembram coisas, isso já se sabe.
Gostei. Com mais tempo e alma regresso.
Bem-hajas!:-)

3:42 da manhã  

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