A raíz da pele
Guardo na raíz da pele
os gritos, as emoções,
os desesperos, os medos,
a raiva, o ódio, a perfídia,
os sonhos, as frustrações,
as cicatrizes das feridas
que a vida em mim foi abrindo,
os mistérios, os segredos.
Guardo na raíz da pele
a verdade do que sou.
Deixo que à flor da pele
emerja a máscara, o sorriso,
o jogo do gato-e-rato
onde, estando, nunca estou.
Guilherme de Melo, in "Tantas mãos a mesma Primavera", Oficina do Livro, p.52
os gritos, as emoções,
os desesperos, os medos,
a raiva, o ódio, a perfídia,
os sonhos, as frustrações,
as cicatrizes das feridas
que a vida em mim foi abrindo,
os mistérios, os segredos.
Guardo na raíz da pele
a verdade do que sou.
Deixo que à flor da pele
emerja a máscara, o sorriso,
o jogo do gato-e-rato
onde, estando, nunca estou.
Guilherme de Melo, in "Tantas mãos a mesma Primavera", Oficina do Livro, p.52
9 Comments:
Não guardes, solta e não uses a máscara:))))
beijos
Admirável poema. Diz tanta coisa...
"...onde, estando, nunca estou."
Beijinho
"Guardo en la raíz de la piel...
todo lo que ni siquiera sé de mí misma..."
Tatuagens de pele
...quem não as tem.
minha doce amiga Dulce
muito obrigada pelas tuas sempre
tão queridas palavras.
O nosso abraço.
Tantas vezes que estamos,não estando. Beijos.
Guilherme de Melo um poeta de Moçambique, tenho pouca poesia dele,
que bom trazeres sempre até nós tão boa poesia,
este é um grito de emoções, onde o sorriso se enconde
belo poema Dulce
fica com um beijinho meu
lena
À Juventude...
Na eternidade desse momento, onde invento novo tempo que não sei se habitarei. Nos versos vermelhos verdadeiros, verdes, verifico as vertentes que tentam minha alma, a calma que não acalma nem conclama.
A chama que esfumaça, me embaça e embaraça no abraço onde tento e me contento, conter todo o universo.
Vou de banda, vou inverso, contra tempo, contra peso sem contra ataque.
Sou perdido estou perdão.
Tento o ido, encontro o vão.
Vou vago, cego sigo, gago engulo a gula e me engano.
Tenho traquejo pra sofrimento, queijo podre, invejo o coldre e o revólver.
Revolver cada momento, onde minto e me omito; portanto consinto.
E sinto o amargo gosto torpe. Fui facínora quando ignorava o aval de cada vala aberta e infecta.
Fui cruel, tendo o céu e o senão, tendo o sim e o talvez. Minha vez de ter voz foi passado. Ultra passado, ultrapassando todos os meus passos, passeios em seios e belas pernas. Apenas as penas de tantas santas e putas.
Prostrado no estrado dessa cama, que chama e inflama, queima e mata.
Calado nesse mesmo tormento, meu manto e meu mento, mormaço e aço, sofreguidão.
No guidão dessa engrenagem que caio e caiado fico, calado sigo, submisso.
Amei-te, liberdade, foste minha cidade e meu mundo. Hoje imundo, inundado e abismado, sinto o absinto que pressinto e necessito.
No abuso do uso confuso de cafuso beijo. No desejo desta pele, que me compele e me repele.
No sentido levrógeno, no medo do amor, na gênese do átomo, no hiato no iate, na parte que nunca me coube, onde soube que estarias.
Nas estrias da alma malsã, nas colinas distantes as mesmas salinas de antes, as mesmas lágrimas salgadas, as algas, as águas, o nada...
Tua boca, rouca voz. Tua louca, franca mente. Aérea, etérea, venerada e venérea.
Mercúrio sem alas, Atena sem nexo, Vênus sem sexo, complexos amores...
Querida, a ferida fertiliza os sonhos. Meus medos são medonhos, teus olhos, meus guias. Maravilhas e partos. Compotas e portas abertas, as mesmas a esmo, o sentido sem tino, sem tato, sem tanto, entretanto sobrevivo.
Meus filhos perdidos nos trilhos da vida. A mão delicada da mãe que, distante. O instante somente onde tudo cometo, onde nada prometo, me meto no espaço.
Professo esperança, dança e circulo vago.
Círculos vagos ao âmago amargo e amigo, onde prossigo, sem nada mais pra lutar.
Trago a morte e a sorte amarradas, atadas e nada me faz descansar.
Quero o inverno da vida, quem sabe verá primavera. Primeira e única verdade. A vera cruz, a luz de Vera, verão os meus olhos...
Deveras deverá o verão solar, o sol o ar, o solar onde moravas, amada primária, primeira e eterna. É terna a mão, armas mansas, nos remansos onde dançavas nua.
Amada juventude, onde, qual a amplitude de tudo o que trazias e, hoje não trazes. As fases da lua, tantas vezes vistas, as luzes e frases, as visitas ao amanhã, prometidas e esquecidas, ocultadas pelos fios prateados e raros, de meus ralos cabelos. Novelos onde se perderam os veios de onde veio e vieram os meus dias de luz. Lucidez chegou e com ela a morte.
A sorte está lançada na lança armada do tempo. Veneno e alimento.
Amada juventude, onde estás, que há de... Tende piedade, de mim...
soneto em redondilha
Esperanças conjugar
Os verbos desta canção
Que permitem cravejar
Com amores e perdão
O brilho deste luar
Maltratando o coração
De quem quisesse sonhar
Anunciando o verão
Nas matas tantas promessas
Das flores em profusão
Tentando ser às avessas
Do que fora escravidão
Nestas luzes que professas
Profetizas compaixão!
DA LUA VERMELHA E DA LUZ ESVERDEADA
Na noite fria, o vento passando pelas gretas da porta, assoviando como a tosse da mãe, dolorosa tosse.
A morte rondando a cidade, à bala e à fome, armas constantes apontadas sobre o morro.
Os irmãos, todos os nove, dormem abraçados e seminus. O cobertor não dá para todos, os menores sofrem mais, descobertos.
A irmã mais velha, barriga grande, esperando mais um para completar a dezena, mas desta vez outra geração será inaugurada.
Nova geração, miséria antiga, fome constante.
A garrafa de cachaça pela metade denuncia que o pai está em casa. Ainda bem.
O pai em casa, coisa rara, é sinal de comida amanhã.
O arroz e o feijão no prato, minguado prato do dia-a-dia, poderia com certeza estar acompanhado de algo mais, quem sabe um naco de carne ou de frango.
Vida dura, durando muito para quem mais teima que vive.
Barriga d’água, cheia das lombrigas de sempre, os cabelos amarelados pela fome, contrastando com as pernas finas, perebentas.
O cheiro podre de vala e de suor, misturados no único cômodo do barraco.
A porta parcialmente trancada, a tramela não adiantava mais.
A polícia, na última vez que viera nada encontrara, mas a porta não resistira.
Os pontapés assustaram, ninguém sabia dizer por que tinha que ser assim.
A mãe tuberculosa, a cada dia ia minguando. Remédio até que tomava, mas a comida pouca; amor de mãe é fogo, das parcas colheres, nada colhia. Alimentar os meninos.
A morte talvez resolvesse os problemas. Mas a luta era diária e o medo maior que tudo. Agora ia ser avó, precocemente envelhecida, os trinta anos batendo na porta. A filha de treze agora era duas.
A magreza dos meninos assustava.
Os meninos, ao revirar o lixo, muitas vezes se saciavam com as podres delícias.
Um dia, o mais velho encontrara um lote de iogurte vencido. Delicioso, coisa de rico.
Como poderia esperar algo, além disso?
Invejara, muitas vezes, os urubus. Esses tinham colheita certa e comida abundante.
Num local onde a morte é lugar comum; fartura de alimento somente para eles.
O rosto dos meninos, sem direção, sem nexo nem sentido, denunciava a luta voraz destes para chegar o dia seguinte, e assim por diante.
Ano passado, quase que o Mariozinho morreu. Não fossem as rezas da vizinha, adeus!
Comida, saúde, escola, essas coisas que todo mundo promete, ilusão.
A fome é cruel, muito cruel. Não se pode falar de fome se não a conhecer.
Não é essa fome de madame querendo emagrecer ou a ocasional, a de um dia, não.
A fome de uma vida, de uma vida após outra vida, nessa semi-morte que arrasta a todos para o lixão.
Outro dia, sem que ninguém soubesse por que, o dono do morro pediu a casa “emprestada” para esconder uns camaradas que vieram de outra favela. Fazer o quê?
Levaram o rádio de pilha e a televisão, últimos contatos com a vida no asfalto.
É difícil essa vida entre o bem e o mal, entre a polícia que quebra a porta e o traficante que leva a televisão.
Fazer o quê?
Voltar para Minas, uma boa idéia, mas cadê Minas?
A fome na roça também era terrível. Aqui pelo menos tem o lixão. A comida é mais farta, embora rala.
Sua mãe tivera quinze, sobraram quatro. Dos quatro era a mais velha.
Pelo que soube dos outros três, um estava preso, a menina caiu na vida e o outro enlouquecera, o sortudo.
A mãe morreu ano passado. Da velhice que carrega aos 50 depois de ter morado mais de 20 nas costas do cidadão.
Marido bom até que era, batia pouco, bebia muito.
De vez em quando sumia. Falam que tem outra, a velhice precoce a tornara feia.
A outra deveria ter a carne ainda dura, os peitos mais rijos e os dentes na boca.
Além de tudo, não devia estar tísica. Danada dessa tosse, dessa febre, o sangue espalhara no colchão tantas vezes que colorira de vermelho o amarelado do mijo das crianças.
Emagrecendo e se esvaindo, o frio daquela noite estava de lascar.
A tosse de Joãozinho estava denunciando que a tísica estava criando raízes no barracão.
Levar para o médico, marcar ficha, mês que vem se ainda estiver vivo ou se não tiver curado.
Curado?! Doce ilusão, mais fácil ter morrido que se curar.
Joãozinho, menino sempre foi fraco dos peitos, ao contrário da mais velha, peitos grandes para os treze anos. Agorinha mesmo mais um. Depois outro, outro... contagem mórbida, triste...
O silêncio da noite é interrompido pelas balas, balas e mais balas.
As balas de confeito estão nos sonhos dos meninos, a de aço perfura as paredes de zinco e de compensado. Barraco todo furado, chuva traz lama e goteiras. Vida complicada.
O marido está sobre ela, as pernas confundidas depois de uma noite de sexo. Coisa que foi boa, hoje suplício. É melhor que ele fique com a outra.
As costas doem muito e o prazer é impossível. Tem que fazer preventivo.
As doenças do mundo estão brigando por espaço pra poderem crescer no corpo miúdo. A mãe do corpo está toda sangrante, numa eterna regra.
De repente, percebe que as balas estão mais fortes que sempre.
Um barulho arromba a porta. O namorado da filha, menino ainda, entra na casa.
Transtornado pela cocaína e pelo álcool.
As balas se aproximam e procuram lugar macio. Barriga grávida, local macio. Fácil de entrar, penetram, abortando o futuro e o presente. De uma vez só.
Quem sabe foi melhor assim?
O companheiro se levanta e xingando o namorado da menina morta, empurra-o para a saída. Saída do barraco. Saída da vida, saída.
Mal sabe ele que não há mais saída.
Mas a teimosia, logo o dia nasce, o corpo sepultado, a teimosia sobrevive.
No céu, uma lua avermelhada a tudo assiste, e comovida abraça todo o barraco, inundando o barraco, a favela, a cidade e o país com uma estranha luz esverdeada e avermelhada.
Quem sabe essa seja a saída?
Uma lua vermelha, uma luz esverdeada e um brilho descomunal sobre tudo e sobre todos...
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