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Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigava a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no céu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento actual do que o que líamos então com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora, é apenas como sendo os únicos calendários que guardámos dos dias passados, e com a esperança de ver reflectidas nas suas páginas as casas e os lagos que já não existem.
PROUST, Marcel, "O prazer da leitura", Editorial Teorema, Lisboa, 1997, p.5/6
(Foto em www.trekearth.com)
7 Comments:
Então não é que o Proust tem razão...?!
Um beijo.
Incrível, é mesmo verdade:) beijos
é isso mesmo...retornar no tempo
jocas maradas de letras
Sentimos todos o mesmo! :)
Beijos
Por qué será que siempre andamos a la búsqueda de ese tiempo perdido...?
Un beso amiga.
Já li !
Sabes que foi oportuno ?
Um beijo, amiga
É verdade. É mesmo, mesmo assim. Belo. Beijinhos.
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