quarta-feira, abril 26, 2006

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Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigava a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no céu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento actual do que o que líamos então com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora, é apenas como sendo os únicos calendários que guardámos dos dias passados, e com a esperança de ver reflectidas nas suas páginas as casas e os lagos que já não existem.

PROUST, Marcel, "O prazer da leitura", Editorial Teorema, Lisboa, 1997, p.5/6

(Foto em www.trekearth.com)

7 Comments:

Blogger escrevi said...

Então não é que o Proust tem razão...?!

Um beijo.

12:41 da tarde  
Blogger wind said...

Incrível, é mesmo verdade:) beijos

12:58 da tarde  
Blogger Su said...

é isso mesmo...retornar no tempo
jocas maradas de letras

8:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sentimos todos o mesmo! :)
Beijos

8:44 da tarde  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Por qué será que siempre andamos a la búsqueda de ese tiempo perdido...?

Un beso amiga.

12:09 da manhã  
Blogger luis manuel said...

Já li !
Sabes que foi oportuno ?

Um beijo, amiga

12:56 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

É verdade. É mesmo, mesmo assim. Belo. Beijinhos.

10:45 da manhã  

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