terça-feira, fevereiro 28, 2006

Acabo sempre por voltar ...


Acabo sempre por voltar a este café. De preferência de manhã. Quase sempre aos sábados, quando a vida fervilha lá fora. Hoje voltei. Aqui o tempo pára. O silêncio impera. Por isso regresso sempre a este espaço. As grandes montras de vidro debruçam-se sobre um enorme largo. A água no lago artificial exibe uma coreografia vistosa. As cortinas de riscas castanhas e brancas ajudam a esta separação física do mundo. Privam-me do contacto com a cidade. Protegem-me da luz e do ruído.
Como me faz bem este hiato de tempo neste envolvente silêncio. Tempo que roubo à vida.
Estas cadeiras de palhinha acompanham o descanso do corpo. Convidam ao repouso. O silêncio incita o pensamento a voar. O livro agora pousado na mesa, já lido até meio.
Ao meu lado uma rapariga de longos cabelos castanhos fuma, e o aroma do cigarro acabado de acender conduz-me ao passado. Os cafés. O estudo. Outros silêncios. Ela, a rapariga de longos cabelos castanhos, lembra-me eu própria. Estuda. Um café já bebido sobre a mesa, um cigarro a queimar-se nos dedos, um caderno onde se debruça.
Aqui, no silêncio deste café, tudo é feito em bicos de pés, as chávenas pousadas com cuidado, as vozes sussurradas para não acordar o silêncio que se instalou.
Por isso volto sempre. Por isso aqui ficaria horas à volta de um livro, à volta das palavras que crio e escrevo, à volta dos pensamentos que embalo.
Lá fora, hoje é Carnaval! Vejo-as que passam. As crianças e as suas máscaras. Identificadas. Apenas um dia por ano para finalmente revelarem o que verdadeiramente gostariam de ser! Tantos os dias para se ocultarem atrás de outras máscaras - quase que uma segunda pele. E sempre assim pela vida fora.
Hoje é Carnaval! Desfilam as máscaras!
É dia de arrumar as minhas. Pelo menos aqui, onde o coração se mostra à flôr da palavra.

(Imagem: "A máscara (da loucura)" , Frida Khalo, Óleo sobre tela, in Catálogo da exposição sobre vida e obra da pintora, patente no Centro Cultural de Belém)

12 Comments:

Blogger escrevi said...

O silêncio...
As máscaras...
E tu...
As boas recordações que persistem, felizmente!
A saudade de um tempo feliz...
Amanhã quando te lembrares desta manhã passada nesse café, também é com um sentimento de saudade e felicidade de umas horas bem passadas.
A vida é feita de todos estes momentos. Desfruta-os...

Bjs.

1:29 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Bonito, Dulce. Senti uma doçura extrema nas tuas palavras. Beijos.

1:54 da tarde  
Blogger wind said...

Esse café dá-te mesmo a calma que precisas:) A tela é mesmo de loucura. beijos

2:16 da tarde  
Blogger vero said...

Olá Dulce...hoje perdi-me nas tuas palavras...era capaz de ficar aki horas a ler-te...
As tuas palavras cativam...já pensaste escrever um livro???
Beijinhos***

2:18 da tarde  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Hola Dulce. Tus frases son mágicas. Las envuelve un clima propicio para el sosiego y yo me dejo envolver por los recuerdos.

Hoy es día de máscaras, más las máscaras nunca pueden ocultar los sentimientos.

Un beso fuerte.

2:43 da tarde  
Blogger luis manuel said...

Rejeitar a morte simbólica, dedicar a vida á descoberta do que se conhece no passado e se projecta no futuro.

Ainda o silêncio pleno de palavras úteis, de sinais explicitos de corações famintos. A exibição pública e contagiante de memórias de infâncias escondidas. Aquilo que teimosamente faz crescer as almas e as criaturas.A custo e á força, os incrédulos e os insatisfeitos, tentam evitar a propagação.As mãos dadas e o sorriso, exibem o que nasceu já inventado, e abrem a janela da esperança.

Novamente em silêncio, o pensamento revela-se em múltiplos sons e imagens.Vagueia sentado. O corpo permanece confortávelmente sentado.

As crianças exibem máscaras daquilo que querem e gostam de ser, nem que seja por um dia.
Durante os outros, não se escondem. Muitas exibem diariamente faces de dor, de sofrimento.

Um beijo, amiga

3:15 da tarde  
Blogger perplexo said...

Boa descrição realístico-psicológica!
Bj

1:11 da manhã  
Blogger Hata_ mãe - até que a minha morte nos separe Hugo ! said...

Boa noite Dulce,
Sabes, depois de ler este teu texto, tive saudades de estar num café, sozinha com um livro, a embalar palavras que crio e "não" escrevo.
Passei uma semaninha, bem...é melhor não falar de mim.
Então para te dizer que o que li, me incentivou a sair, cuidar de mim um pouco, visualmente (lol)
e ir até um cafezinho.
Um grande beijinho por este bocadinho agradavel.

3:33 da manhã  
Blogger lena said...

lindissimo este texto, ler e sentir cada passo foi doce, um momento que o li no meu silêncio, onde o cheiro do café também se fez sentir

e a tela maravilhosa, sempre adorei tudo o que envolveu a vida de Frida Khalo e os seus quadros, excelente escolha

beijinhos meus, Dulce

11:18 da manhã  
Blogger saisminerais said...

Olá minha doce amiga, desculpa ter-me sentado ao teu lado sem nada dizer, so a observar-te como escrevias e o silencio à tua volta... Não, não estive lá realmente, mas senti-te lá, descreves tambem o à volta que me envolvi nestas tuas lindas e meigas palavras... Não preciso de te dizer quanto daria para lá estar a teu lado no relaxo, no sossego.
Teria escrito algo parcido? Hum se calhar não!... Teria conversado contigo! Isso de certeza, e teria sido optimo.
Deixo-te aqui um beijinho e o desejo de que escrevas muito, adoro ler o que escreves

8:54 da tarde  
Blogger Ana Fundo said...

Dulce,

Tens mesmo que escrever um livro, as tuas palavras envolvem-nos de tal maneira que queremos ler sempre mais...mais...mais...
Tens magia na tua escrita...
Tenho orgulho de ser tua amiga :-))
Beijos
Ana Paula

8:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tenho vontade de ver-te
Mas não sei como acertar.
Passeias onde não ando,
Andas sem eu te encontrar.

11:12 da manhã  

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