terça-feira, janeiro 24, 2006

A corda tensa

Deixem-me! Deixem-me ser tantos quantos sou.
Cada um de vós agarrou uma das minhas faces – a que mais lhe agradava ou era mais sua; e começou a negar as outras do prisma.
Ou eu sou o prisma de não sei quantas faces ... não sei.
Bem me basta ser tantos, que já nem posso, às vezes, com tantos que sou!
Mas deixar de ser tantos também o não posso. Também não posso fechar todas as mais janelas, ficar-me a olhar só por uma.
Sei que o não posso, porque já o tentei. “Será um descanso” – pensava. Mas vinha o vento, vinha a lua, vinha a chuva, vinha o sol ... até a poesia vinha. Tudo batia nas janelas fechadas, e entrava pelas frinchas. Descanso? Não tinha nenhum.
Abri todas as janelas! Entre o que quiser.
E agora sois vós a querer, na mesma, fechar todas menos uma, cada um a que mais lhe agrada ou tem por mais sua.
Como poderei eu satisfazer a cada um de per si e a todos?
Prefiro satisfazer a todos e a mim próprio sem agradar a nenhum.

RÉGIO, José, “Antologia Poética”, Quasi, 2000, p.168

10 Comments:

Blogger wind said...

Intenso este texto, com várias personalidades, ou facetas de uma mesma pessoa. beijos

11:25 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A incapacidade das pessoas em observar e escolher uma só face de um prisma que somos nós...tanta coisa para descobrir numa pessoa e muitas vezes, "dotados" de uma cegueira estúpida somente lhe aproveitamos uma face da sua imensidão...lindíssimo, este texto!!!! Beijos!!!!

1:28 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Óptimo José Régio. É isso mesmo. Agradar a mim próprio. Beijos, Dulce.

1:32 da tarde  
Blogger ☆Fanny☆ said...

Gosto muito de José Régio!
Obrigada por partilhares pedacinhos da sua obra.

Beijinhos*

Fanny

4:03 da tarde  
Blogger José said...

A luz fica decomposta,
conforme vamos avançando,
na corda.
Há que saber focar os raios
de maneira a corda não ficar tensa.

Um beijinho

6:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tenho vontade de ver-te
Mas não sei como acertar.
Passeias onde não ando,
Andas sem eu te encontrar.

9:54 da tarde  
Blogger JPD said...

Em termos geométricos, este poema é um losango.
É um losango importante por ser esteticamente perfeito.
Apenas um pequeno reparo: pretende agradar a todos, rejeita o melindre.
Bjs

9:59 da tarde  
Blogger lena said...

saudades de o ler Dulce
lindissimo

obrigada por partilhares


beijinhos

11:32 da tarde  
Blogger Unknown said...

Amiga,
Passada a tristeza é hora de alegria, muita alegria...
Obrigada por tuas lindas palavras deixadas lá no meu blog, como forma de apoio pelo ocorrido... águas passadas, já nao me entristecem, agora é ser feliz, muito feliz...
Muitos beijinhos para ti!

3:11 da manhã  
Blogger AQUENATÓN said...

OLá Dulce !

Nós e sempre alteridade de nós...
O espelho e o caleidoscópio do Ser.
O uno.
Qual de nós , é o verdadeiro ?

Bji

9:49 da manhã  

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