O resto da viagem
"Oh sr. padre! escreva aí num papelinho as rezas que eu tenho que fazer ... já estou velha ... e depois esqueço-me de tudo ..." Isto foi a velhota dizendo enquanto atravessava a sala em direcção ao velho padre que se encontrava sentado à secretária. Do outro canto da sala o funcionário do Paço Episcopal perguntou-lhe a idade e ela foi respondendo com voz trémula, "já conto oitenta e um". Sorrindo, o funcionário foi-lhe dizendo, "então mais velho é o senhor padre que já conta oitenta e seis... e está aí são como um pêro!!"
Foi aí que levantei a cabeça até então mergulhada nos velhos livros. A velhota era baixa e franzina. O lenço na cabeça deixava a descoberto alguns cabelos grisalhos, e nas mãos engelhadas transportava um pequeno saco de plástico. A voz, já eu a ouvira quando começara a pedir as rezas num papelinho. Chegara há um quarto de hora e apenas a ouvira dizer ao padre que se queria confessar. O padre, de cara redonda e óculos encavalitados no nariz, de boa vontade se levantou, e com passinhos miúdos atravessou a sala em direcção ao interior do Paço. Uns minutos depois voltara e de novo se sentara na secretária ao lado da minha. Com um jornal aberto sobre a mesa vi-o que se debruçava atento numa qualquer leitura.
Este espaço parecia perdido no tempo ...
Voltando um pouco atrás, há que dizer que esta é outra cidade - desta vez Lamego - onde cheguei ontem ao fim da tarde. A subida de Guimarães até Vila Real quase me fez perder a respiração ... Eu, e até a estrada, éramos peças minúsculas do terreno que nos rodeava. Ali, tudo é em grande. Do lado direito de quem sobe, declives quase a pique mergulhavam o olhar em vales sombreados de verde. Aqui e ali pequenos agrupamentos de casas lembravam peças de um Lego deixadas ao acaso. Na vertente da montanha sucediam-se os degraus bem alinhados tão característicos desta zona. (Que pensaria um alienígena se os visse do céu?) Depois, passada uma eternidade, iniciou-se a descida. A cidade, vista de passagem, não me deixou memórias. Outra subida se iniciou depois, para de novo se voltar a descer. A Régua recebeu-me, reflectindo no Douro o sol de um belíssimo fim de tarde. Passando a ponte, aguardava-me o meu destino final. Era cedo ainda quando Lamego me recebeu e num primeiro passeio, fui tacteando os sentires de uma cidade que não conhecia. Com o período pascal a aproximar-se a passos largos, Lamego já se mostrava engalanado para o efeito. Nas alamedas e jardins, o inúmero colorido das flores mostrava o quanto a Primavera está tão próxima. Enquanto procurava um local para jantar deixei que os passos se perdessem entre ruas e ruelas num fim de tarde surpreendentemente morno e apetecível. Lá do alto da escadaria, o Santuário surgiu como um apelo, e ao virar uma esquina surpreendo-me com a imponência da velha Sé.
A noite insinuava-se já quando resolvi voltar.
Depois de uma noite bem dormida, havia trabalho a fazer no Paço, exactamente no local que referi no início destas memórias de uma viagem. Lá dentro, as velhas pedras não deixavam passar o calor do sol , e apenas assomando à imensa janela que dava para o jardim se recuperava um pouco do aconchego que fazia falta.
A velhota não sentiu concerteza o desconforto da velha casa. Foi à procura de outra coisa. De palavras. De compreensão. De alguém que a ouvisse.
Depois ... com o papelinho bem dobrado na sua mão fechada, lá foi ... passinho miúdo e costas curvadas ... enfrentar o resto de mais um dia.
Foi aí que levantei a cabeça até então mergulhada nos velhos livros. A velhota era baixa e franzina. O lenço na cabeça deixava a descoberto alguns cabelos grisalhos, e nas mãos engelhadas transportava um pequeno saco de plástico. A voz, já eu a ouvira quando começara a pedir as rezas num papelinho. Chegara há um quarto de hora e apenas a ouvira dizer ao padre que se queria confessar. O padre, de cara redonda e óculos encavalitados no nariz, de boa vontade se levantou, e com passinhos miúdos atravessou a sala em direcção ao interior do Paço. Uns minutos depois voltara e de novo se sentara na secretária ao lado da minha. Com um jornal aberto sobre a mesa vi-o que se debruçava atento numa qualquer leitura.
Este espaço parecia perdido no tempo ...
Voltando um pouco atrás, há que dizer que esta é outra cidade - desta vez Lamego - onde cheguei ontem ao fim da tarde. A subida de Guimarães até Vila Real quase me fez perder a respiração ... Eu, e até a estrada, éramos peças minúsculas do terreno que nos rodeava. Ali, tudo é em grande. Do lado direito de quem sobe, declives quase a pique mergulhavam o olhar em vales sombreados de verde. Aqui e ali pequenos agrupamentos de casas lembravam peças de um Lego deixadas ao acaso. Na vertente da montanha sucediam-se os degraus bem alinhados tão característicos desta zona. (Que pensaria um alienígena se os visse do céu?) Depois, passada uma eternidade, iniciou-se a descida. A cidade, vista de passagem, não me deixou memórias. Outra subida se iniciou depois, para de novo se voltar a descer. A Régua recebeu-me, reflectindo no Douro o sol de um belíssimo fim de tarde. Passando a ponte, aguardava-me o meu destino final. Era cedo ainda quando Lamego me recebeu e num primeiro passeio, fui tacteando os sentires de uma cidade que não conhecia. Com o período pascal a aproximar-se a passos largos, Lamego já se mostrava engalanado para o efeito. Nas alamedas e jardins, o inúmero colorido das flores mostrava o quanto a Primavera está tão próxima. Enquanto procurava um local para jantar deixei que os passos se perdessem entre ruas e ruelas num fim de tarde surpreendentemente morno e apetecível. Lá do alto da escadaria, o Santuário surgiu como um apelo, e ao virar uma esquina surpreendo-me com a imponência da velha Sé.
A noite insinuava-se já quando resolvi voltar.
Depois de uma noite bem dormida, havia trabalho a fazer no Paço, exactamente no local que referi no início destas memórias de uma viagem. Lá dentro, as velhas pedras não deixavam passar o calor do sol , e apenas assomando à imensa janela que dava para o jardim se recuperava um pouco do aconchego que fazia falta.
A velhota não sentiu concerteza o desconforto da velha casa. Foi à procura de outra coisa. De palavras. De compreensão. De alguém que a ouvisse.
Depois ... com o papelinho bem dobrado na sua mão fechada, lá foi ... passinho miúdo e costas curvadas ... enfrentar o resto de mais um dia.
17 Comments:
...e a zona de Trá-os-Montes é linda. Rude e pura. Sabe bem lá estar.
O interregno valeu!
Ou então era mesmo a falta das tuas palavras.
Bom, estas viagens também ajudam a ter tema.
Mas uma coisa é certa, cada vez a tua escrita é mais linda.
Podes vender a máquina fotográfica e viajar mais, com a condição de nos relatar estas cenas do quotidiano.
Beijinho doce
Estás a ficar uma verdadeira Mestra em descrição :-)
Fizeste-me lembrar "As Viagens na Minha Terra".
Beijos grandes e até logo
Ana
Olá! Gostei de chegar aqui e encontrar novidades. Também tenho andado um pouco arredado das lides bloguisticas.
Fiquei a pensar no teu texto sobre a genealogia...É que tenho a minha árvore feita até aos trisavós, mas a partir daí ainda não consegui avançar. Fi-la com base em certidões de nascimento pelo que penso que não será demasiado complicado avançar mais um pouco...quem sabe??
Beijinho para ti!
gostei de saber de ti
gostei de ler.te
sentir.t.
bela foto , a do manuscrito
jocas maradas de sentires
Excelente como sempre a tua prosa:)
Descrições ao pormeor de sentires e lugares:)
Beijos
*
revi,
o dourado douro,
das uvas douradasm
,
conchinhas douradas
,
*
Amiga Dulce
Há quanto tempo!!!
Hoje, dia 20 a minha prioridade é fazer um post sobre o 3º aniversário do «kalinka».
Não agora, mas...
mais logo convido-te para uma pequena festinha, onde vou reunir os «amigos» que fiz ao longo destes 3 anos de partilha.
Beijinhos.
Olá Dulce
Boa Páscoa
Um beijo. Augusto
Começo pelo fim já que não disponho agora o tempo necessário para começar pelo todo. Impressionantes estas viagens na nossa terra!
A velhota já era velhota de 81 desde que a catedral de Lamego começou a ser catedral. Está ali em todas as eras a provar como a ruína do tempo se prolonga na eternidade. Eu vi-a em Lamego, na Guarda, em Lisboa. É a gente românica do povo encalhada nas rugas do espaço-tempo. Lamego é de uma beleza indescritível. Come-se bem e, de um modo geral, o vinho é bom. Para mim tem sido uma terra boa para descansar nas férias e uma rampa de lançamento para espectaculares passeios ao longo do Douro. Revejo-a na tua escrita que continuo a achar de uma estranha e consoladora qualidade.
É bom ler-te.
Reforço a opinião do último comentário, escreves muito bem e isso não pode ficar assim... só em blog. E não é só o escrever, é ter sobre o que escrever que é o mais difícil.
Boa Páscoa!
As viagens, ao ritmo do gosto pelo ofício...
E não são apenas feitas por estradas, dessas de alcatrão mais ou menos sinalizado.
São muitos caminhos, feitos até como o olhar, apenas.
Muitas vidas, dos outros, para em cada paragem reviver as próprias.
E como sabes valorizar cada pausa ... !
É mesmo justo... "para além de mim" estão tantos outros.
Eu, afortunado pelo acaso, fiquei próximo. E assim quero continuar.
A viagem desejo longa...
Um grande abraço, amiga.
Santa Páscoa
Porque renascer também é da nossa condição humana, páscoa feliz!
Até sempre
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Votos de PÁSCOA FELIZ.
AMIGA DULCE
Beijinhos de estima.
...por falta de tempo, não tenho passado por cá. Mas é sempre reconfortante ler-te. Faz-me bem "parar" aqui... antes de seguir as minhas viagens.
Bjs. Dulce
As cidades de granito parecem acabadas de regressar do passado.
Bj
Lindo, simplesmente lindo.
Faz-me bem ler o que escreves, pena é que temporariamente tenho menos tempo para “viajar contigo” pelas tuas letras.
Beijitos
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