segunda-feira, dezembro 18, 2006

Testemunho

"Quando me disseram, chamaram-lhe carcinoma. Uma outra terminologia – mais técnica – mas idêntico impacto.
Logo que pude consultei a enciclopédia para saber do seu correcto significado. Cancro, dizia. Aquilo que mais se teme. Maligno, claro.
Caiu em mim com o todo o peso que a palavra encerra.
Morte. Sofrimento. Medo.
Caiu em mim, e de imediato foi cavando brechas, derrubando verdades adquiridas.
De início apenas o medo. Não o da operação. Não o de uma hipotética mastectomia. Não da morte, ou pelo menos, não da morte a curto prazo, mas medo de não conseguir combatê-lo. Medo de que o meu optimismo e a minha vontade não fossem suficientes para o travar. Medo que insidiosamente se instalasse de armas e bagagens e recusasse partir. Medo que fosse ganhando o meu corpo. Debelando as minhas resistências.
Primeiro foi assim. O Medo. Depois ... vi que conseguia esquecer. Preenchi a vida de mil momentos, ocupados com mil coisas, matizados de mil cores. A vontade de esquecer foi superior a tudo, e verdadeiramente coloquei os medos debaixo de uma pesada pedra, não os deixando assim manifestar-se.
De tempos a tempos emergia a Dúvida. Será que vou conseguir ultrapassar isto? Vou viver por mais quanto tempo? Será que vale a pena?
As dúvidas levaram-me a trilhar outros caminhos. Porque desistir não faz parte do meu léxico. Provoquei a vida para que ela me enfrentasse, olhos nos olhos. Faço hoje o que poderei não poder vir a fazer daqui a um ano. Sorrio mais. Abri o coração aos que me rodeiam. O lema é Dar. Dar muito. Dar tudo. E assim surpreendi-me com o que vim a receber. E assim me descobri outra.
Dois anos e meio se passaram. Os meus amigos dizem-me que não me preocupe – que estou curada. Para mim, ainda é muito cedo. A espada ainda lá está. Sinto a sua ponta aguçada tocar-me de tempos a tempos, lembrando-me que ainda é cedo.
Mas falar destes dois anos e meio, é também falar de Esperança. Porque há situações únicas que experienciamos e que nos transformam. Neste caso direi até que uma má experiência tem também, se soubermos ver, um lado positivo. A minha vida deu uma volta completa. Estabeleci novos objectivos. Decidi que os anos que me faltam – sejam aqueles que forem, não interessa – hei-de vivê-los com paixão. Quero saboreá-los bem, e nisso empenho toda a minha vontade. Nada é mais importante do que fazer uma trégua com o nosso Eu. Encontrarmo-nos finalmente, e reconhecermo-nos como verdadeiramente somos.
Tenho planos. Tenho metas. E essencialmente muita confiança em mim. Acima de tudo creio que é essa confiança que trava a doença. Acredito que é possível. Que vou conseguir. E é neste caminho que vou prosseguir."

Este testemunho é para ti M. João, minha amiga, e para o teu pai - um homem de muita coragem que não tenho o privilégio de conhecer.

18 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Acreditar que é Possivel.
É Conseguir.
Não é Avó ?.
Ouço-te: Não é ele que me Leva.
E tinhas Rezão.
Só os anos te Venceram.
Menos ao teu Sorriso.
Perdura em mim. É Meu ...
poetaeusou(sorrindoemti)

12:14 da manhã  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Mi querida Dulce. Tu relato me ha llegado al alma porque lo impregnas de esa calma que te caracteriza. Por suerte, aquellos diagnósticos de antaño, cuando esa cruel enfermedad se instalaba en nuestras vidas, en la actualidad, es, casi, una de tantas. Con el tratamiento adecuado y con cuidados se supera. Y tú, como te dice tu amiga, la has superado.

Creo que esa situación, (tengo muchos amigos que pasan por lo mismo que tú desde hace años) muchos, hace que se viva la vida de una vida diferente. Me dicen que todo es relativizado, que gozan del día a día con pasión, que disfrutan de lo insignificante, que son más proclives al perdón, a la solidaridad y a la conmiseración. Dulce, sé que mis palabras te sobran pero acéptalas con el cariño que te las dirijo y sigue siendo así, como eres, un ser maravilloso para quién encuentra en la amistad el mejor de los patrimonios. He observado el respeto y la veneración que te profesan los amigos que se acercan a tu blog. Y puedo decirte que aunque no te conozco sé que no tienes enemigos. Eso se percibe claramente. Espero yo también honrarme de esa amistad, aunque sea virtualmente.

Amiga Dulce. Te deseo una Feliz Navidad, llena de una paz infinita y espero que el próximo año haga que se cumplan todos tus deseos e ilusiones al lado de tus hijas. (Creo que tienes dos, es así?)

Besos. Muchos besos.

12:21 da manhã  
Blogger wind said...

Perante este testemunho fico sem palavras e sinto-me pequenina por ver esta coragem!
beijos

12:56 da manhã  
Blogger Aldina Duarte said...

Abraço de dádiva total e incondicional.
A coragem e a esperança humana no entendimento das profundezas da vida com a morte é tarefa grandiosa e para os que têm essa capacidade generosa de através das suas vivências nos lembrar a todos o verdadeiro sentido da vida... DAR-MO-NOS!

Até sempre :-)

12:56 da manhã  
Blogger Maria said...

Há uns tempos atrás pediram-me que escrevesse alguma coisa sobre o assunto "cancro". Só sei escrever sobre o que vivencio e escrevi isto. A minha ideia nunca foi de publicar aqui. Não é a minha coragem que quero que enalteçam. Nunca foi essa a minha intenção, mas hoje falei com uma amiga cujo pai parece estar em fase terminal. É um homem de muita coragem que enfrentou e continua a enfrentar o sofrimento com um sorriso e muita determinação. E ele sabe que já não lhe resta muito tempo. Nunca o conheci mas admiro-o bastante pelo que a filha me tem contado. Foi a pensar nele e em todos aqueles que passam por situações cancerígenas que resolvi postar este texto. Porque a Esperança e a Confiança são precisas.

1:27 da manhã  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Y has hecho muy bien Dulce.

En otras culturas enseñan a convivir con la muerte haciendo de ésta algo natural, algo que se espera sin temor, incluso con alegría, porque es un transitar hacia otro estado. Atravesamos por varias etapas de la vida hasta llegar a la última. Eso es todo.

Un beso fuerte fuerte.

10:47 da manhã  
Blogger Ana Ramon said...

Ninguém pensa que ao publicares um texto destes viesses à procura de palavras que enaltecessem a tua coragem. Mas digo-te que é preciso muita para veres os teus medos, os teus sustos, descritos aqui por ti mesma. Como sabes não acredito na vida depois da morte e por isso penso que nunca irei sentir alegria por partir. Como diz a anatema, é mais outra etapa. Para mim a última. E penso que realmente devemos viver a vida com outro interesse, com outro sabor. Conseguir-lhe extrair o suco de uma vida plena. Que nunca percas a esperança e a confiança que tens em ti mesma. São as chaves para abrir as portas do futuro.
Um beijinho grande

2:16 da tarde  
Blogger José said...

É generoso saber ter uma amiga assim, como tu Dulce. Que sabe DAR e dás muito do teu saber, da tua força, dos ensinamentos que foste recolhendo ao longo da vida, mas que tambem sabe RECEBER, mesmo as coisas mais infelizes tens o dom de as saber aceitar e conseguir torneá-las, mesmo sendo difíceis, tens o dom da esperança, da coragem e de saber dar aos outros as palavras que por vezes são tão necessárias, para se viver plenamente um dia de cada vez.
Parabens pelo testemunho, assim como pela pessoa que és, AMIGA.

2:54 da tarde  
Blogger mfc said...

Habituei-me a ler-te e a admirar o que escrevias, mas hoje surpreendeste-me.
Posso dizer que passei a admirar a pessoa por detrás das palavras.
Toma um beijo... não, toma muitos e muitos beijos!

6:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Para a M. João toda a minha solidariedade.
Para o pai da M. João, uma partida tranquila, quando for.

Para ti, Dulce, um terno abraço, pela sensibilidade e carinho demonstrado neste texto dedicado a uma Amiga!

7:50 da tarde  
Blogger Ana Fundo said...

Um beijo muito grande para ti por seres quem és, e por te ter como AMIGA!!!
Obrigada por existires na minha vida.
Beijos enormes
Ana

11:30 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Beijos para todos vós. Solidariedade no meu peito.

10:18 da manhã  
Blogger Besnico di Roma said...

Temos uma amiga que passou por uma experiência igual à tua.
Foram tempos difíceis. Agora, oito anos depois, acreditamos que está curada.
É uma mulher cheia de interesse, uma companheira muito agradável e divertida. Para mim só tem um defeito, enjoa muito a andar de barco. Paciência, ninguém é perfeito.
Venceu a doença e agora o seu “único objectivo” é tentar, sem sucesso, cozinhar melhor do que eu.
Beijitos até breve.

1:21 da tarde  
Blogger Besnico di Roma said...

mfc
Tal como tu eu também gostava de enviar à Dulce – muitos, muitos, muitos beijinhos. Mas o que diriam as más-línguas?...
Fico apenas pelos beijitos do costume.

1:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tocou-me. Todo o amor é preciso, TODO. E mesmo assim...não chega a tapar todos os buracos da alma. Sobrevivo há 14 anos. Não sei se é coragem se é desespero de viver, também para os outros. Um abraço a ti e tua amiga.
(nós conhecemo-nos...de andar por aí nos mesmos sítios mas perdôa não conseguir dizer quem sou)

10:32 da tarde  
Blogger Maria said...

Anónimo:
Não precisas dizer. Basta teres escrito.
Um abraço para ti tb (sejas quem fores)

11:20 da tarde  
Blogger Su said...

como te entendo
beijot


jocas maradas e natalicias

10:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Passei por acaso. Fui lendo e cheguei aqui. Entendo-te bem. Também a minha vida deu uma volta. Aprendi a dar valor ao que realmente tem valor. A parar para apreciar um por do sol. Mais do que sobreviver, acho que renasci. Às vezes é preciso um abanão para acordarmos.

Deixo-te um abraço e os votos de um Feliz Natal.

12:40 da manhã  

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