sábado, março 11, 2006

Companheiros de Viagem

Companheiros de viagem são aquelas pessoas nas quais, ao nos encontrarmos, sentimos um olhar semelhante para o que nos rodeia e acontece à nossa volta. Um espécie de corrente que, ao fazer nascer algo entre nós para lá das roupagens de cada um, nos confirma na forma como respiramos. Corrente essa que reforça a convicção com que acolhemos o sopro da vida que, continuamente, nos empurra para a frente e vai despertando para a essência do que somos.
Sem nenhum de nós abdicar de nada que lhe seja importante, aquilo que em cada momento tem para dar ao outro sempre por ele é acolhido e aproveitado.
E o intercâmbio afectivo que entre ambos assim acontece – ao sabor das oscilações da vida individual e colectiva – vai-se desenvolvendo para lá dos episódios que constituem a espuma da história de cada um.
Encontramo-nos através dos mais variados atributos que permitem que nos destaquemos do seio da multidão anónima, no pano de fundo em que decorre o nosso dia-a-dia. Mas olhamo-nos sobretudo através da alma, porque nada escondemos das também variadas falhas que nos fazem ser tudo o que somos.
(...) Ao olharmos um para o outro, não nos fixamos em conquistas, vitórias, fracassos, que cada um obteve, nos ganhos e nas perdas que lhe enriquecem ou empobrecem o nome pelo qual a sociedade o reconhece.
Nada mais vemos do que algo que permaneceu imune para lá de todo esse vivido.
E, nesse olhar recíproco, sentimo-nos iluminados por uma luz maior do que qualquer um de nós.
Querer agarrá-la será pretender reduzi-la. Não aproveitar o convite que, através desse encontro nos está a ser feito no sentido de olharmos para mais longe e mais alto.
O que então, nos variados recantos do nosso ser se acende, pertence ao domínio do misterioso.
É como que o vislumbre de uma pátria comum. Um lugar de chegada que, estando para lá do tempo e do espaço, coincide com o do outro, por muito diferente que, para cada um deles, este lugar seja.
E deixamos de nos sentir sós, embora sabendo com grande nitidez que, no fundo, nenhum de nós tem a ver com o caminho do outro, com a forma como ele o percorre ou os acidentes desse seu percurso – e, portanto, está sozinho. (...)

COSTA FÉLIX, Maria José, in Xis, Suplemento do jornal Público de 11/03/2006, p.37

7 Comments:

Blogger wind said...

Grande Texto! E de facto estamos sempre sózinhos. beijos

3:02 da tarde  
Blogger José said...

Há textos com uma actualidade impressionante!...
Que nos fazem reflectir nesta viajem da vida, tão curta e por vezes sem companheiros de viagem.
Grande visão esta da autora, ao olhar para o seu espelho! Para as suas viagens!
Grande escolha. Beijinhos e bom fim-de-semana.

3:50 da tarde  
Blogger lena said...

um texto excelente, uma escolha perfeita

o sentir da escritora na viagem, mas da vida, é o que dexa ficar a pensar


beijinhos muitos para ti


lena

7:09 da tarde  
Blogger Peter said...

Dulce, estou fazendo a minha visita semanal aos links. É só qd tenho tempo.

7:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não por falta de vontade mas de tempo, deixei de ler a tua escolha.

Mas vim dar-te um grande beijinho por mim ( e claro pela minha mãe! ) e dizer-te que li a carta que lhe escreveste, sb ser amigo, e adorei! Encaixei as tuas palavras na amizade que tenho por aquelas pessoas tão especiais que me preenchem todos os dias com os seus sorrisos.


* Sara

12:30 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

Quando nos olhamos através da alma, talvez possa ser assim, mas não estaremos, portanto, sózinhos. Beijos, Dulce.

1:00 da tarde  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

No existe otra forma más certera que la mirada del alma. Esa mirada nunca engaña. Un beso para ti.

1:17 da tarde  

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