quinta-feira, dezembro 22, 2005

Ho! Ho! Ho!


Desta vez não ía viajar. Para quê, se agora havia a Internet? Mão no rato, buscou o ícone do telefone miniatura, sito na esquininha superior do ecrã de líquidos cristais. E, milagre, bastaram dois singelos cliques para a magia branca dos supercondutores pôr em marcha o dominó cibernético que doravante nos permite, sem deslocarmos o nadegal da poltrona, chegar ao mundo.
Não pôde, todavia, abster-se de cogitar um melancólico cogitar: a tecnologia era uma coisa curiosa, sabíamos usá-la mas não sabíamos, salvo alguns eleitos a que chamávamos técnicos informáticos, como funcionava. Técnicos informáticos? Mais justo seria chamá-los de santos, magos, neo-deuses.
Sim neo-deuses. Sócrates, Galileu, Decartes – até mesmo Leonardo! – tremeriam de pavor, como paisanos medievais, se confrontados com um ecrã de televisão, um carrinho de supermercado, um telemóvel de plástico, uma simples caixa de multibanco, quanto mais com um computador ligado ao mundo através de uma rede tão tentacular quão indolor e invisível.
Claro que havia outra forma de ver isto. De acordo, nós, habitantes do novo milénio, éramos ágeis, espertos. Mas convenhamos, éramo-lo tanto a usar os brinquedos do novo mundo como a disfarçar a nossa ignorância sobre o sentido deste mesmo mundo.
Já conectado à Internet, abriu a caixinha do correio. Criou um novo documento, escreveu nele a palavra “Merry Christmas” em várias línguas: “Feliz Navidad!”, “Glucklische Weinacht!”, Joyeux Noel!”, “Onnellista Joulva!”, etc, etc., etc.
E enviou-o, com um delicado toque de dedo no pequeno rato.

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Não é um dado adquirido que os primeiros computadores a reagirem, obedientes como caniches amestrados, tenham sido os americanos. Podem muito bem ter sido os russos. Ou os franceses. Ou mesmo os chineses. Podem até ter sido os israelitas, pois afinal foi lá que o Menino nasceu, ou a Índia e o Paquistão, porque Buda e Alá também por lá andaram de candeias às avessas. De qualquer modo, pouco interessava quem começara, mas sim que começara, e em agradável conformidade com o que ele esperava. Até um pouco melhor do que esperava.
Certo, certo, é que o vírus era mesmo bom, pois alastrou com apreciável celeridade a todos os sistemas de defesa dos países (felizmente muitos) munidos de sofisticados (e completamente informatizados) sistemas de lançamento de mísseis terra-ar, terra mar e terra-terra.
Recostou-se na cadeira, olhou para o computador, admirou a obra. Não estava orgulhoso – antes pelo contrário, sentia-se assomado por alguma melancolia. Consolava-o apenas que, quase de certeza, nunca ninguém viria a saber que fora ele, ele, a dar corda a estes brinquedos teleguiados capazes de percorrer centenas de quilómetros até atingir o alvo. O alvo cirúrgicamente designado, bem entendido, que a cirurgia, como o respeitinho, é uma coisa muito bonita.
Nâo, não estava orgulhoso, só que ... o que poderia ele ter feito senão aquilo?
Primeiro, tinham sido as renas a adoecer, depois uma arreliante avaria na máquina de embrulhar presentes. E como se isso não bastasse, os duendes tinha-lhes dado para entrarem em greve.
A única solução, para poder servir atempadamente toda a gente, fora mesmo recorrer aos silos – esses armazéns onde, egoístas, os homens de boa vontade guardavam só para si os seus brinquedos favoritos.
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Entrementes, na estação espacial MIR, três astronautas (dois americanos e um russo) sorriam, comovidos. Mas que lindo fogo de artifício, a Terra, nesta noite abençoada!

ZINK, Rui, "Outros Belos Contos de Natal", Ediraia, Castelo Branco, 2004, pp.53/55
(Desenho de Rui Zink incluído na mesma obra)

8 Comments:

Blogger AQUENATÓN said...

Viajei no teu post pelas galáxias !

Permanecerão as angústias deste tempo de solidão!

Bji

3:32 da tarde  
Blogger José said...

Uma sátira ou um medo presente!

Estamos em tempo de apelo á paz,
e como diz, Joaquim Nogueira,
AMAR É O CAMINHO

Para todos um Natal cheio de Paz,
Para ti, Dulce
Um sorriso para a vida, com muita paz interior.

4:12 da tarde  
Blogger wind said...

Escolheste bem os textos:) Vim também retribuir os votos de um bom Natal para ti e óptimas entradas:) beijos

4:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Acredita que o Rui também está desejoso de saber como é que aquilo acaba. Será que acabou mesmo ?
E depois das cartas, o que acontece ao Blog ?

4:53 da tarde  
Blogger escrevi said...

Bom, sinceramente não é o tipo de humor que me agrada. Além disso (eu e os meus pretenciosismos) o tal do menino não nasceu em Israel mas sim na Palestina (se é que nasceu).
Desculpa, eu e o meu mau feitio.
Gostei de ler porque me distraíu.

Bjs.

8:33 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Votos de um Feliz Natal e que o 2006 só te traga alegrias...e muitos textos lindos para nós lermos, claro :)

Um beijinho doce, amiga.

8:38 da tarde  
Blogger escrevi said...

Vai ler o blog de TITÁ do dia 18 de Dezembro, tem lá uma frase do D.Lama linda. Não a transcrevo porque vale a pena visitar a Titá.

Bjs.

10:22 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Não tinha lido ainda este texto do Rui Zink. Divinal. Qual fogo de artifício! Beijinhos para ti.

4:11 da tarde  

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