domingo, dezembro 04, 2005

6.

Na mesma ordem de ideias, embora abrangendo um período de tempo mais curto (alguns meses em vez de vinte anos), um outro amigo, R, falou-me de um livro marginal que ele tentava localizar sem sucesso, esquadrinhando livrarias e catálogos à procura daquilo que devia ser uma obra admirável que ele ansiava ler; e contou-me como, uma tarde em que fazia o seu caminho pelo centro da cidade, tomou um atalho para a Grand Central Station, subiu o lanço de escadas que levava à Vanderbilt Avenue, e viu de repente uma jovem ao lado do friso de mármore com um livro à frente dela: o mesmo livro que ele tão desesperadamente tentava encontrar.
Embora não tivesse por hábito dirigir a palavra a desconhecidos, R. estava demasiado atordoado pela coincidência para ficar calado. "Acredite ou não", disse à jovem, "tenho andado à procura desse livro por toda a parte."
"É maravilhoso", respondeu a jovem, "acabei agora mesmo de o ler."
"Sabe dizer-me onde poderei encontrar outro exemplar?" perguntou R. "Não consigo explicar-lhe o que isso significaria para mim."
"Este é para si" respondeu a mulher.
"Mas é seu" replicou R.
"Era meu," disse a mulher "mas agora já acabei de o ler. Vim aqui hoje para lho dar."

AUSTER, Paul, "O Caderno Vermelho", Edições Asa, Porto, 2002, pp.31/2

3 Comments:

Blogger JPD said...

Presume-se que terão trocado contactos. Um livro é um pretexto para muita coisa, para amizades extraordinárias.
Belo texto.
Bjs

3:36 da tarde  
Blogger AQUENATÓN said...

Que forma tão bonita de oferecer um livro...
Um dia, ainda irei oferecer um livro dessa maneira tão poética, a alguém que o mereça...

Obrigado.

Bji

11:51 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

Magnífico!

10:11 da tarde  

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