quarta-feira, novembro 23, 2005

Descrição de um lugar

Sou um reflexo no vidro. Olho-me
fixamente, e o poema capta-me nesta atitude.
Pudesse eu conhecer-me como se conhece
o poema ...
Deixo um retrato de mim, morto,
há um ano por esta altura. Que me aconteceu,
entretanto? De quem é este corpo
que me é estranho, pálido habitante de um movimento
indeciso e aparente? Quem sinto quando me toco,
quem me dorme, quem me pensa,
quem me escreve? O meu rosto encobre um pronome. Vivo
uma sintaxe corrupta no patamar marítimo
do mito. Quem me impede o sentimento? Quem me abre
um caminho que não sigo, condenado a outro
de mim próprio?
No entanto, estou aqui. Entre mim e o poema,
opaco a ambos, sem nada para dizer.

JÚDICE, Nuno, "Obra Poética", Quetzal, Lisboa, 1991, p.150

4 Comments:

Blogger AQUENATÓN said...

Olá Dulce !

Quero ver-te sorrir e não de costas voltadas para o mar.
Bebe o vento e o azul do mar...
E o azul do céu, ficará ainda mais azul.

Belo texto poético de Júdice.

Bj

11:59 da manhã  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Qué preciosidad de poema Dulce. Son hermosas las palabras porque cada uno de nosotros las hacemos nuestras, las compartimos. Un beso.

3:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um bom poema do Nuno Judice. Selecção de bom gosto poético. Beijinhos.

10:27 da tarde  
Blogger wind said...

Belo poema. beijos

8:57 da manhã  

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