sábado, novembro 12, 2005

Post-Scriptum

Nâo sou daqueles cujos ossos se guardam,
nem sou sequer dos que os vindouros lamentam
não hajam sido guardados a tempo de ser ossos.

Igualmente não sou dos que serão estandartes
em lutas de sangue ou de palavras,
por uns odiado quanto me amem outros.

Não sou sequer dos que são voz de encanto,
ciciando na penumbra ao jovem solitário,
a beleza vaga que em seus olhos houver.

Nem serei ao menos consolação dos tristes,
dos humilhados, dos que fervem raivas
de uma vida inteira a pouco e pouco traída.

Não, não serei nada do que fica ou serve,
e morrerei, quando morrer, comigo.

Só muito a medo, a horas mortas, me lerá,
de todos e de si se disfarçando,
curioso, aquel' que aceita suspeitar
quanto mesmo a poesia ainda é disfarce da vida.

Jorge de Sena, "Antologia Poética", Edições Asa, Lisboa, 1999, pp.92,93

1 Comments:

Blogger Su said...

"Não, não serei nada do que fica ou serve,
e morrerei, quando morrer, comigo."


amei ler
jocas maradas

9:12 da tarde  

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