Outros percursos
Na subida, quase frente à Sé, ficava sempre o olhar preso naquela velha janela com grades. Era o Aljube dissera a minha mãe um dia. Ali estivera preso o seu irmão - o tio que nunca conheci. Sempre que ali passava prendia-se o olhar nela - naquela velha janela. Dali escreveu ele no Verão de 39 que "o rio Tejo, com o seu movimento fluvial, embora escasso", era um bom companheiro, e numa outra carta referia que via da sua janela de grades "o mesmo Tejo todos os dias igual, a mesma Outra Banda, sempre à mesma distância, o mesmo cinzel em cantarias invisíveis da Sé".
Já por ali não passo há muito tempo e hoje uma amiga disse-me que lá foi colocada uma placa evocativa com um poema de Ary dos Santos. Para que a memória não morra.
Subindo a rua, as igrejas, e depois o Miradouro - aquela janela que se abria sobre a cidade. Do outro lado, a subida para o Castelo. Ali morava a Fátima, na Rua da Saudade, vizinha do Ary, e minha futura colega de liceu uns anos mais tarde.
Aquele percuso, continuei a fazê-lo durante alguns anos. Como passeio apenas. Porque gostava daquelas ruas íngremes e das igrejas. Quantas vezes me refugiei nelas nas tardes soalheiras, à procura do silêncio e daquela paz tão especial que apenas ali encontramos.
Nessa altura já a escola primária ficara para trás. Frequentava agora uma escola ainda maior, ali para os lados do Marquês de Pombal. Quantas caminhadas descendo a Avenida! Podia quase fazê-las de olhos fechados! Outras vezes de autocarro até aos Restauradores, naqueles com dois pisos onde gostava de viajar agarrada ao varão junto à porta.
Depois, esperava a minha mãe junto ao Éden. Às vezes, era já noite e ela não chegava, pensava que se esquecera de mim ... Coitada, sempre na correria para cumprir todos os horários e estar sempre presente ...
Lançando os olhos para a direita era a gelataria que me desafiava e aquelas magníficas cassatas que eu adorava. E no Natal era naquele canto também que estava o mais bonito Pai Natal de sempre. Um Pai Natal como deve ser, como se vê nos livros, gordinho, de olhos bondosos e grandes barbas brancas, não como os de hoje a quem as calças quase caem pelas pernas abaixo e tão escanzelados que atraiçoam o meu imaginário infantil. Ali se podiam tirar fotografias e todos os natais sonhava em tirar uma ali mesmo ao seu lado, ao colo do Pai Natal dos meus sonhos. Nunca o fiz. Assim como nunca me aproximei o suficiente para receber dele os doces que repartia com as crianças. Passava por ele devagarinho e levava nos ouvidos o som alegre dos sininhos que vinha não sei donde e que ainda hoje recordo.
Parece-vos que só recordo coisas tristes mas se pudessem ver-me agora, veriam o sorriso que me aflora ao escrever estas linhas.
Já por ali não passo há muito tempo e hoje uma amiga disse-me que lá foi colocada uma placa evocativa com um poema de Ary dos Santos. Para que a memória não morra.
Subindo a rua, as igrejas, e depois o Miradouro - aquela janela que se abria sobre a cidade. Do outro lado, a subida para o Castelo. Ali morava a Fátima, na Rua da Saudade, vizinha do Ary, e minha futura colega de liceu uns anos mais tarde.
Aquele percuso, continuei a fazê-lo durante alguns anos. Como passeio apenas. Porque gostava daquelas ruas íngremes e das igrejas. Quantas vezes me refugiei nelas nas tardes soalheiras, à procura do silêncio e daquela paz tão especial que apenas ali encontramos.
Nessa altura já a escola primária ficara para trás. Frequentava agora uma escola ainda maior, ali para os lados do Marquês de Pombal. Quantas caminhadas descendo a Avenida! Podia quase fazê-las de olhos fechados! Outras vezes de autocarro até aos Restauradores, naqueles com dois pisos onde gostava de viajar agarrada ao varão junto à porta.
Depois, esperava a minha mãe junto ao Éden. Às vezes, era já noite e ela não chegava, pensava que se esquecera de mim ... Coitada, sempre na correria para cumprir todos os horários e estar sempre presente ...
Lançando os olhos para a direita era a gelataria que me desafiava e aquelas magníficas cassatas que eu adorava. E no Natal era naquele canto também que estava o mais bonito Pai Natal de sempre. Um Pai Natal como deve ser, como se vê nos livros, gordinho, de olhos bondosos e grandes barbas brancas, não como os de hoje a quem as calças quase caem pelas pernas abaixo e tão escanzelados que atraiçoam o meu imaginário infantil. Ali se podiam tirar fotografias e todos os natais sonhava em tirar uma ali mesmo ao seu lado, ao colo do Pai Natal dos meus sonhos. Nunca o fiz. Assim como nunca me aproximei o suficiente para receber dele os doces que repartia com as crianças. Passava por ele devagarinho e levava nos ouvidos o som alegre dos sininhos que vinha não sei donde e que ainda hoje recordo.
Parece-vos que só recordo coisas tristes mas se pudessem ver-me agora, veriam o sorriso que me aflora ao escrever estas linhas.
12 Comments:
Dulce.
Ontem elogiei o Baú. Foi um Lapso.
Quero corrigir. Vou corrigir.
Queria enaltecer o Disco Rigido.
O teu. Ultimo Modelo, Top Gama.
Nunca gostei da Sé. Estranha. Fria.
Preferi sempre as pequenas Igrejas.
Especialmente do Rato. Compreendes!
Limoeiro. O pensamento. A Revolta.
Tudo isto para chegar ao Ary.
Só uma Bloguista. O sabe. E sempre,
o Guardou. A frase "Poeta eu sou".
Poeta "castrado não". Ouvia milhares de vezes. Ao 5º/6º Whisky.
Castelo. Com o Quartel da Legião.
Uma Familia Burguesa.
Com um abismo em "Intreportas"
Zé Carlos.Isso é Utópico. Sim ...
O "ISSO" » E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.
Utopia, ZÉ, Utopia.
poetaeusou( SÓ )
Eu vejo-te o sorriso, Dulce, mas eu estou toda arrepiada...
Pelo Limoeiro, pela Rua da Saudade, pelo Zé Carlos...
... aquele corpo grande e bruto mas cheio de ternura...
****************
Ainda hoje vou aos gelados do cantinho. Pena que fechem durante o inverno, também me lembro de ver por lá o tal gordinho vestido de vermelho....
Muita obrigada por esta memória, apesar do arrepio...
E eu sorri, porque sei muito bem o que é sentir isso.
Também conheço esses caminhos todos aqui descritos e adorava o Pai Natal gordinho:)
Beijos
Às vezes sinto que é de uma enorme injustiça não se poder revisitar/reviver os lugares/momentos do passado, com as mesmas pessoas de então. Que coisa traiçoeira o tempo! Não há direito!
TERNURA !
Estou a adorar estes relatos da tua infância :-)))
Continua, por favor!!!
Beijos e até já...
Ana
Doces recordações!! Beijinhos.
Não há nada de triste no teu texto.
Há sim muita nostalgia...
Um Excelente Ano de 2007, Dulce.
Venho cantar as Janeiras
Venho cantar orvalhadas
Venho ver o teu sorriso
e ler histórias bem contadas
Que bom é recordar e poder fazê-lo com um soriso nos lábios...
Gosto muito dos teus relatos!
Beijinhos
Venho cantar as Janeiras
Venho cantar orvalhadas
e que 2007 traga mais
d’essas tuas rabanadas.
(mas se forem fatias de bispo, também como)
Ai Dulce o que seria a vida de um homem sem rabanadas!... Digo eu que nem sou guloso.
Um bom 2007 para ti. Beijitos.
:)
A primeira vez que passei no aljube tinha menos de 9 anos e foi para entrar como primeira visita a um homem de nome Lenine. Escolheu-me além da mãe. Por essa altura confiavam em que eu dissesse poemas para entreter gente e haver ruído, enquanto na cave se reuniam os homens que lutavam. Já sabia ao que ia... quantos anos!
Mandaram-me vir aqui. Vim e gostei. Obrigada pelos testemunhos.
:)
Enviar um comentário
<< Home