terça-feira, dezembro 26, 2006

A escola

Esta, era cinco vezes maior do que a minha velha escola. Aquela onde estudei nos primeiros três anos.
D. Eulália chamava-se a minha primeira professora. Forte, cabelos grisalhos apanhados num carrapito. Agrupava-nos à volta de uma mesa (já não recordo quantos éramos, nem dos seus nomes). Ali aprendi a ler e a escrever. Os primeiros ditados. As primeiras contas. No intervalo que ela mesma estipulava, corríamos para o jardim que circundava a casa e por ali nos perdíamos em brincadeiras e correrias. Ao fim do dia, era apenas um pulinho até casa, ali mesmo no fim da rua.
Não, a escola da minha 4ª classe não tinha nada a ver com esta. Era um mundo estranho onde eu me sentia infinitamente pequena!
Todos os dias o trajecto de ida e volta era feito de eléctrico. Aqueles amarelinhos antigos, os bons - aqueles em que podíamos levantar a janela no Verão e apoiar o cotovelo -, não os outros, em que a janela descia e não permitia aquele debruçar gostoso sobre a rua.
Era na Graça a minha escola (voltei lá há pouco tempo)! O percurso parecia-me enorme, feito sempre a subir por ruas e ruelas. Nas curvas mais apertadas quase conseguia tocar os prédios com a ponta dos meus dedos. Perto do fim do trajecto, assaltava-me sempre o mesmo receio: o de não conseguir accionar a campainha. Recordam-se os da minha idade, que era aquele fio castanho que percorria o eléctrico a todo o comprimento, junto ao tecto. No Inverno fazia-o com o cabo do guarda-chuva, mas no Verão receava sempre não conseguir alcançá-lo.
Recordo o meu primeiro dia e o enorme recreio polvilhado de batas brancas numa enorme algazarra. Que diferença da minha velha e pequena escola!
Com o tempo, foi adquirindo outra dimensão. As meninas, tornaram-se amigas também, ou pelo menos colegas, ultrapassada a timidez inicial.
O meu único receio era da D. Aida, a professora de Aritmética, exímia no uso da régua, já que a professora de Português - a D. Manuela - era um doce de pessoa.
Os dias pareciam-me longos. Ainda hoje se os recordo, me parecem. À tarde, o regresso. O mesmo percurso de eléctrico até ao local de trabalho da minha mãe...
(Eu tinha 8/9 anos nessa altura e fazia todos estes trajectos sózinha! Outros tempos!)
... e depois o caminho para casa, já com ela.
Há pouco tempo quando regressei àquela escola percebi que o caminho não é assim tão longo, e revi certos passos do trajecto que ainda hoje se mantêem. O muro do Limoeiro, o velho miradouro sobre Lisboa, e as ruelas. Sempre estreitinhas. De curvas apertadas, ainda a apetecer tocar nos velhos edifícios com a ponta dos dedos !

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A nossa escola! Os medos os segredos os sucessos os fracassos... A nossa escola e seus caminhos. E seus cantinhos! Existe quase sempre a nossa escola nas memórias. Como se de útero se tratasse. Como se não nos quisesse largar. Para sentirmos os tempos. Para sentirmos que vale a pena os tempos.

Também me recordo da minha escola e das peregrinações e procissões mais que muitas. Todos os dias. Todos os dias era inventar um novo dia. Uma nova ida e uma outra vinda.

Também me recordo da minha escola. Das minhas escolas. Do meu crescimento à volta das escolas. Talvez dentro. Mas seguramente por fora.

Hoje, do outro lado da escola, sei-o bem. Que a escola é uma pintura eterna do nosso olhar. Por isso ando cheio de cores!

Beijos

9:39 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ai esta Dulce...
Escola Espaço, do Jardim. Seu nome.
Linda. Muitas Flores.
E mais Florada com as que levei.
Os nomes dos meus Companheiros ?
Sei. De todos.26. Dos que partiram.
Para o Misterioso, outro lado.
E dos Outros. Os presentes, por aí.
Proff Miranda. Recordação Viva.
Diferente dos outros. Até na Cor.
Colored de Cabo Verde. Patriota.
Português. Foi nosso Proff. 4 anos.
A História de Portugal na 1ªClasse.
Comportamentos Básicos, Incutidos.
Hino de Portugal cantado nas Aulas.
Até que em 1961, fui alertado.
Zé,o Miranda foi preso. Miranda só.
PAIGC? Não pá ele nunca saiu daqui.
Senti-me traido. Da Ave. de Berna.
Gulbenkian. Fui á A. Maria Cardoso.
Consegui saber. Forte de Caxias.
Dia seguinte. Com o P. o M. e o F.
Olhamos o Forte impotentes a Cantar.
Aquela Janela Virada para o Mar....
Foi a Homenagem Possivel.
De Submisso, passei desde esse dia,
a Imsubmisso. Não é Augusto Abelaira?
Nunca mais o VI. Nunca mais o Esqueci.
Obrigado por tudo. Proff Miranda.
Obrigado pela tua Tolerância,
Dulce.
"A morte saiu á rua num dia assim"
poetaeusou(semtiposdeditaduras)

10:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A tua escrita, Dulce, trás-me memórias. Da avó, do avô, etc. etc. e agora, da Escola.
Da escola onde nós também aprendemos a ser gente.
Da escola onde temos a primeira paixão, o primeiro namorico.
Da escola onde pregamos partidas aos professores.
Da escola onde somos, naturalmente, castigados pelas traquinices.
Da escola que nos abre as portas da vida.
Da escola de que eu tenho saudades...

Um beijo

12:16 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Perdão Dulce
Onde está 1961.
Será: 1968.
poetaeusou(essebáudulce)

12:59 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

Recordação bonita! Eu aprendi a ler com a minha Mãe pela Cartilha Maternal, quando cheguei à 1ª classe já sabia ler. Na semana passada visitei o Colégio onde estive desde a 4ª classe até ao 5º ano, foi uma delícia falar com a directora (filha do director e meu professor de Matemática que faleceu o ano passado). Recordações plenas de sabor que nos fazem sentir vivos!! Beijos.

10:27 da manhã  
Blogger Zé-Viajante said...

Admirável relato. Da minha escola primária recordo algumas coisas e uma única foto que apareceu no Blog há pouco tempo...

11:00 da manhã  
Blogger mfc said...

Um texto enleante em que se acaba como se se tivesse vontade de continuar... de nunca abandonar aquela infância que nos deixou saudades!
Gostei do pormenor da campaínha e a aflição que lhe subjazia.

2:36 da tarde  
Blogger wind said...

Belo texto em que também me fizeste recordar a minha primária e os eléctricos:)
Também conheço essas zonas;)
beijos

12:39 da manhã  
Blogger Besnico di Roma said...

Conheço bem o caminho que descreves e o trajecto do “amarelinho da carris”. Sou mais velho do que tu, mas provavelmente cruzamo-nos. Estudava eu no Liceu Gil Vicente e algumas vezes fazia a pé ou de eléctrico esse trajecto. Ainda hoje gosto de passar por esses sítios onde passo cada vez menos.
Gosto de te ler, não é tanto o que escreves e como escreves, mas o que sentes e se transmite de modo tão claro e intenso, que não posso deixar de sentir contigo.

3:08 da tarde  

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