domingo, fevereiro 05, 2006

...

"Talvez ela duvide de que seja preciso fazer aquilo ou talvez não saiba que já atravessou o espaço da rua que os separa.
Começa por não se mexer.
Dirige-se lentamente para ele atrás do vidro.
Fica ali.
Olham um para o outro muito depressa, só o tempo de ver, de se terem visto.
O carro está no sentido contrário ao dela. Ela pousa a mão sobre o vidro. Depois afasta a mão e pousa a boca sobre o vidro, dá um beijo ali, deixa a boca ficar ali. Tem os olhos fechados como nos filmes.
Foi como fazer amor na rua, disse ela.
A intensidade era a mesma.
O Chinês olhou.
E depois foi ele quem baixou os olhos.
Morto pelo desejo de uma criança.
Um martírio.

A criança atravessou a rua outra vez.
Não se voltou e foi-se embora para o liceu.
Ouviu o carro sair sem fazer barulho por uma estrada que era agora de veludo, uma estrada nocturna.

Nunca, durante os meses que se seguiram, falaram dessa dor lancinante do desejo.

DURAS, Marguerite, " O amante da China do Norte", Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, pp.56,57

10 Comments:

Blogger wind said...

Uma escritora genial que tão bem escreveu memórias suas. Como é difícil o amor, caramba! beijos

3:36 da tarde  
Blogger luis manuel said...

Dulce
Para um Domingo de boa memória, tento em gesto simples oferecer um abraço amigo. Numa brisa de alegria. E com um poema de Sophia Mello Breyner

"Brisa

Que branca mão na brisa de despede ?
Que palavra de amor
A noite de Maio em si recebe e perde ?

Desenha-te o luar como uma estátua
Que no tempo não fica

Quem poderá deter
O instante que não pára de morrer ?"


E em cada instante assim, debaixo do céu azul (ás vezes carregado ou cinzento) num alento de nova esperança, com o Sol e a Lua como aliados... eu me junto.
Um beijo, amiga

4:55 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tenho paixão por Duras.
Escolheste um excelente excerto.
Beijos Dulce

5:08 da tarde  
Blogger AQUENATÓN said...

Dramático. Comovente.
Bji

6:57 da tarde  
Blogger José said...

...o espaço da rua que os separa.
uma estrada nocturna.
Quantos caminhos não existem assim?!
Belo extracto, para um domingo de recordações.
Bjs

7:06 da tarde  
Blogger lena said...

excelente escritora e deixo-te algo dela para ti:

Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.

Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.

Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.

Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.

E depois comecei a escrever...

Marguerite Duras

como gosto de a ler

beijinhos meus, Dulce

7:17 da tarde  
Blogger Su said...

amei esse livro
jocas maradas

7:47 da tarde  
Blogger JPD said...

A Marguerite tem textos fabulosos.
Eis um exemplo da importância das colónias na Indochina na cultura francesa.
Queres acreditar que mal comecei a ler o texto me lembrei da «Miss Saigão», da Madamme Butterfly?
Bjs

10:41 da tarde  
Blogger Su said...

como sempre gostei

mas passa lá por casa, tenho uma prendinha para ti

jocas maradas

10:42 da tarde  
Blogger vero said...

Passa no meu cantinho...bjs

1:13 da tarde  

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