quinta-feira, setembro 29, 2005

Argumento

De versos em que me escondo
encho os meus próprios ouvidos

Digo abrigo em lugar de ombros
rua em vez de paraíso

dádiva em lugar de roubo
em vez de pólvora vidro

rosto rasto ruga rogo
em vez de pólen e cisco

Só vivo se me prolongo
Caminho se não caminho

Sempre uma deusa bifronte
esta língua em que me exprimo

Digo remos vejo sombra
Chamo ramos ao que é vivo

Sonho que sonho o que sonho
E recomeço E desisto

É não indo ao meu encontro
que me encontro a sós comigo

Ah no incesto das ondas
com que pânico me atinjo

MOURÃO-FERREIRA, David, "Quatro Tempos", p.60

(publicado em 23/09/2005)