quinta-feira, setembro 29, 2005

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"Faças o que fizeres, neste ano ou daqui a cem, estarás morto para sempre. (...)
Desde então comecei a medir a vida não por anos mas por décadas. A dos cinquenta tinha sido decisiva porque tomei consciência de que quase toda a gente era mais nova do que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que já não tinha tempo para me equivocar. A dos setenta foi terrível por uma certa possibilidade de que fosse a última. Não obstante quando acordei vivo na primeira manhã dos meus noventa anos na cama feliz de Delgadina, atravessou-me a ideia complacente de que a vida não fosse algo que corre como o rio revolto de Heraclito, mas sim uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar a assar do outro lado durante mais noventa anos."

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel, "Memória das minhas putas tristes", D.Quixote, Lisboa, 2005, p.108

(publicado em 06/09/2005)