terça-feira, abril 29, 2008

Outras paisagens


Este fim de semana viajei. Decidi que não queria estar três dias a aturar-me. Pensei então sair e inscrevi-me para um passeio a Trás-os-Montes - uma zona do país totalmente desconhecida para mim. Partimos cedo, eu e os meus trinta e um companheiros. 7,20 da manhã de sexta feira, dia 25 de abril. Dois casais apenas, os restantes todas mulheres sós. Incrivelmente, cada vez somos mais ...

A viagem decorreu em bom ritmo e chegados à Régua, iniciou-se a parte mais bonita do percurso, todo ele à beira Douro. A paisagem fez-nos sentir pequenos. Toda aquele verde e os socalcos a dominar o terreno. Subíamos lentamente, em estradas sinuosas que espreitavam perigosamente o rio. Cada vez mais alto, cada vez mais longe da cidade e do seu bulício.

Depois do almoço visitámos algumas aldeias e o seu património. A pedra escura dominava as construções e do conjunto geral ressaltavam, um pouco esquecidos ou até abandonados os antigos solares, que apesar de tudo nos continuam a atrair pelo seu traçado e brancura. Nas ruas de pedra solta, à porta das velhas casas, sentavam-se, aqui e ali, alguns dos seus ocupantes. Uma mulher de preto a fazer renda. Um homem de boné descaído sobre os olhos, acompanhado de seus cães. Outros dormitando ou talvez pensando na vida. Não vi crianças. O movimento era quase nulo. Apenas nós falávamos descuidadamente perturbando o silêncio da tarde.

A paisagem foi mudando à medida que subíamos a serra. A giesta cobria vastas áreas, adoçando com a sua côr esbranquiçada aquela sucessão infindável de montes sobre montes. Giesta negral disseram, e tufos de flores de quando em vez, que davam uma nota de côr a uma paisagem que tendia a desvanecer-se na lonjura.

Foi ao fim da tarde que chegámos ao cimo da serra - a Serra de Bornes. Ainda longe do local onde pernoitaríamos nada se via em redor. Pedras e montes e uma estrada que se contorcia e trepava até ao topo do mundo. Lá muito ao fundo, do outro lado da montanha, reconheci um pequeno sinal de vida. Seria ali, pensei. Vi depois que sim. Bem empoleirada no alto da serra estava o nosso poiso.

Chegámos, já o sol quase desaparecia por detrás dos montes. O ar era leve e as côres do ocaso esbatiam-se na neblina do horizonte.

Do janela do meu quarto deixei que o olhar se perdesse por entre os verdes e os vales até se encontrar em pequenos nichos de povoados que repousavam na paisagem. O céu era de um azul muito claro riscado aqui e ali por pinceladas de branco e o sol amarelecia docemente no horizonte, mas o que mais impressionava era o silêncio. Não aquele silêncio do bosque, ou mesmo o de todas as noites no meu quarto. Um silêncio denso que oprimia o coração e castrava as ideias e lá muito ao fundo, como que a lembrar-nos que afinal ali também havia vida, um chilrear leve, de passaritos também eles assustados com tamanha imensidão.

A noite chegou e tomou conta de mim. Ao deitar abri a pesada cortina para deixar entrar o luar, mas também ele desaparecera, devorado pelo breu. Foi uma noite sem sonhos, pesada e longa. Escura.

Já era madrugada, quando às voltas na cama abri os olhos e enfrentei uma luz prateada que me espreitava e iluminava o quarto. Agora sim, acompanhada adormeci até a manhã romper.
(Foto minha)

quarta-feira, abril 23, 2008

Flores


Abril! Trinta e quatro anos depois.

Ou Abril! Trinta e dois anos depois.

E ainda Abril sete anos depois.

Tudo se mistura neste Abril. Os cravos vermelhos daquele dia e aqueles que deixei de poder ver depois da tua partida. Eram tantos ... e o aroma avassalador.

Abril de novo e Sintra renascia em mais uma Primavera. Flores e aromas por todo o lado.

Agora aos sábados tornou-se um ritual! Na banca das flores páro e observo primeiro as várias tonalidades. São sempre as gerberas que atraem a minha atenção. Depois as rosas.

As primeiras, rosa, alaranjadas, vermelhas de sangue e no centro aquele pequeno e bem desenhado halo amarelo. As rosas espreitam do outro lado. Vermelhas, quase sempre. Procuro ultimamente as amarelas. Há quem diga que as flores têm um significado. Será que a côr também o tem? Amarelas, daquele amarelo desbotado e manso que derrama simplicidade e doçura. Pétalas redondas que se oferecem ao meu olhar.

Não, não há rosas amarelas. Só vermelhas. Rosadas. Matizadas.

O meu pai gostava de rosas. Tinha-as de várias tonalidades no jardim. Cruzava-as de forma a obter várias côres e plantava-as em todos os cantinhos de todos os canteiros, mas era de amores-perfeitos que gostava mais. Que contradição! Amores e ainda para mais - perfeitos. Impossível! Impossível confrontarem-se com as imponentes rosas bem erectas e orgulhosas nos seus caules vaidosos.

Coitados dos amores! Perfeitos, é claro! Rasteiros. Tímidos. Subservientes. Olham-nos de baixo e projectam em nós a esperança através das suas côres. Perfeitas! Nítidas. De amores à luz do dia. Olhos nos olhos. Transparentes de quereres. Amores! Perfeitos! Impossível!

Trago então gerberas. De um laranja matizado. Pétalas macias e frágeis. Caule dócil e ao centro, a promessa de um sol na minha jarra. Três. Ou cinco, porque as flores não se compram aos pares. Não, não sei porquê também, mas vai ao encontro daquilo que mais sinto. Não gosto de números pares. Sempre o três ou o cinco ou o sete. Um não, vá-se lá saber porquê! E para castigo ... enfim ...

Gerberas, pois então! As flores velhas eram vermelhas. As da outra semana. Curvam-se sobre si próprias como tu te curvaste um dia. Velhas. Gastas. Os caules mortos sem o saberem ainda. Tiro-as com cuidado e mudo a água. Agora transparente e limpa recebe as novas flores que se acomodam e enrolam às hastes verdes que as acompanham. Enroladas duram mais, disse-me a vendedora. Claro! Como eu também preciso de me enrolar às vezes ... não sei se duramos mais também ... mas conforta o coração saber que há um ombro que nos acolhe ou uma mão que aperta a nossa.

Todas gostamos de receber flores ... quero eu dizer, todas nós, mulheres. É uma oferta de pureza e simplicidade. Quando as filhotas nasceram recebi flores. Quando faço anos recebo às vezes flores. Outras vezes, recebo-as, singelas, de caule curto, ainda frescas do orvalho da manhã, arrancadas de um jardim. Já faz tanto tempo ... Umas vezes um ramo, outras, uma apenas. Sempre uma graça que recebo.

Agora compro-as todos os sábados. Quando percorro os últimos metros já as espreito ao longe enquanto a vendedora sorri ao ver-me. Ela já sabe o que quero. Já vai apontando o que sabe que eu gosto e tagarelando.

Abril. Cravos brancos. É o que vou comprar esta semana. Cravos brancos. Os únicos que têm aroma. Aqueles que me lembram a infância. Roupa branca estendida a secar ao sol. Perfume discreto. Pureza.

Ou rosas amarelas. A minha avó gostava de rosas amarelas. De Santa Teresinha, chamavam-se. Pequeninas e muito perfumadas. Era Generosa a minha avó e gostava de rosas pequeninas ...

É Primavera. Abril. Multiplicam-se as flores, as côres, os aromas.

Sete anos depois ... e eu aqui contigo. E tu aqui comigo. Olhamo-nos ao mesmo espelho. O meu cabelo está comprido como o teu. Os passos cruzam-se noutro plano num mesmo espaço. Os gatos olham o vazio com a atenção de quem sabe.

Quem sabe ... eles sabem!
(Foto, minha)

terça-feira, abril 08, 2008

Abstração

Sem nada fazer. Apenas estar aqui! Aqui ou em qualquer outro lado. Porque hoje, o aqui podia ser noutro lado também. Apenas uma coisa importaria. O silêncio.
Lá fora o vento assobia e as poucas árvores que vejo da janela pouco se agitam afinal! Abrigadas, desafiam o vento que sopra furiosamente. O céu está cinzento chumbo e as gotas que parecem ter cristalizado na janela são a marca mais visível da chuva que caíu há pouco.
Hoje fiquei em casa. Má escolha. Não, foi mais uma opção que tive que fazer, mas errada. Gosto de sair para o meu trabalho do costume. Já sabem qual é ... Lá dentro, não penso em nada. Transporto-me para um espaço em que não existo. Apenas importam os livros, ou os filmes, que me abrem as suas páginas quase desfeitas. Uma hora ou cinco, não interessa quanto. Tudo o que existe dentro de mim desaparece, e outra de mim nasce, vazia, apenas olhos e atenção, e é tão bom quando isto acontece .... Por isso foi errada a minha escolha. Apesar do vento que sopra ameaçador. Apesar da chuva que cai como um dilúvio ... (e ainda há dias era Verão ... quem diria ...) Por isso foi errada a minha escolha. Estou aqui sem nada fazer e sem nada me apetecer. Frente à janela. Ancorada neste silêncio e não conseguindo desligar-me de mim. Presente e passado a acossar-me em cada segundo. Um vaga sensação de desconforto e um peso a tomar forma cá dentro.
Olho para cima da estante à procura dos gatos. Nenhum à vista! Quantas são as vezes que o meu coração salta do peito no momento em que aterram pesadamente sobre a minha secretária. ... mas para já, não! Aconchegam-se concerteza nas camas novas que lhes comprei ontem ... e dormem ... Que sorte! dormem! sem nada em que pensar ... só precisam de comer, dormir e uns carinhos de vez em quando. Já eu! preciso de muito mais! Especialmente em dias como este, em que fiz a opção de ficar em casa. Especialmente em dias em que nada mais me absorve a não ser eu, eu e mais eu!
E depois vêm à memória coisas antigas ... aquelas que preferia não recordar.
Como sou idiota e trágica! Para quê lembrar coisas antigas? O passado já passou ... e o futuro ... é agora, no minuto que se segue e não mais do que isso. São pequenas coisas ... slides que a memória descarrega sem eu querer ... ou são palavras ... daquelas que andam à solta na minha imaginação e que passam tão depressa que não consigo prendê-las. Se ao menos estas palavras que escrevo as aprisionassem - as coisas e as palavras que andam soltas -, se ao menos ficassem aqui cativas no papel e não me pesassem mais ... um rectângulo/baú de palavras e sensações que me libertaria deste peso que me oprime. Que me desobrigaria das perguntas a que não sei dar resposta!
Sete horas! já passa um pouco ... Escurece lá fora e a luz que não acendo torna as teclas quase homogéneas. Apenas os dedos conhecem o caminho das palavras. Há ruído na rua ... um cão que ladra anula o silêncio. É a hora do regresso a casa. Erradamente, eu fiquei aqui!
Mas não amanhã! Não, amanhã!