sábado, dezembro 30, 2006

Limbo

Limbo.
Na concha das tuas mãos.
Limbo.
No abraço que acolhe a saudade.
Limbo.
No beijo que sacia o desejo.
Limbo.
Corpo - barco.
Afago.
Porto.

Abrigo!

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Ontem

O 25 de Abril apanhou-me no quinto ano de liceu. O meu segundo quinto ano, pois reprovara na área das ciências. 17 anos.
Um dia acordei e a minha mãe já voltara do trabalho. Nem chegara a apanhar o comboio para Lisboa. Nas ruas corriam já os rumores de que algo de importante se passava.
Um dia acordei e a rádio passava umas músicas fora do comum. Não pude ir para a escola. Fiquei ali colada à televisão. De ouvido grudado na rádio, e ao fim da tarde mais que uma edição do Diário de Lisboa para ler. Antes, devorar! Poucas folhas, mas tanto para dizer.
Nesse dia acordei e o sonho realizou-se. A minha mãe chorava de tanta alegria. Finalmente os sonhos realizados.
Nesse dia ficámos em casa. Seguimos tudo pela televisão quando ela começou a transmitir as notícias tão aguardadas. Nesse dia tão longo tanta coisa mudou.
Quando voltei ao liceu tudo tinha mudado também. À volta do gradeamento perfilavam-se militares de armas na mão - os sorrisos meio disfarçados atrás de uma esperada eficiciência. E as regras contornavam-se - a vontade de transgredir tão evidente. As batas brancas passaram a andar desabotoadas e depois rapidamente passaram à história. Nos intervalos e "furos" saíamos para a rua, desprezando as antigas ordens de permanência na escola. Fumava-se em algumas aulas. Entrava-se em diálogo com alguns professores.
Na rua, o ambiente de alegria era contagiante e aquele primeiro 1º de Maio foi a prova viva de que é possível. A união. O dar as mãos. A força. Se não o tivesse vivido, não acreditaria hoje.
Hoje! Trinta e dois anos depois. Parece que foi ontem e no entanto, como está esquecido! Parece que foi ontem que os vi sair de Caxias. Que emoção, ainda hoje quando revejo. Parece que foi ontem que a voz se toldava ao cantar Grândola Vila Morena. Parece que foi ontem
quando ainda havia esperança!
Hoje, há que ir às escolas lembrar aos meninos aquele dia tão do passado em que se acabou com o fascismo em Portugal.
Fascismo? o que era isso? Salazar? quem era? Revolução dos cravos? só mesmo em Portugal!
Zeca Afonso? Ary dos Santos? Que cotas! Que conversa antiga essa!
Hoje tudo isso está esquecido! O que interessa são as novelas, os Big Brothers e afins, os concursos ... tudo o que ajude a distrair, a adormecer, a converter-nos (vos) em gente dócil, gente que não pensa, gente que obedece, que não questiona. Hoje!
E afinal este passado ... foi ontem, ontem apenas!

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Outros percursos

Na subida, quase frente à Sé, ficava sempre o olhar preso naquela velha janela com grades. Era o Aljube dissera a minha mãe um dia. Ali estivera preso o seu irmão - o tio que nunca conheci. Sempre que ali passava prendia-se o olhar nela - naquela velha janela. Dali escreveu ele no Verão de 39 que "o rio Tejo, com o seu movimento fluvial, embora escasso", era um bom companheiro, e numa outra carta referia que via da sua janela de grades "o mesmo Tejo todos os dias igual, a mesma Outra Banda, sempre à mesma distância, o mesmo cinzel em cantarias invisíveis da Sé".
Já por ali não passo há muito tempo e hoje uma amiga disse-me que lá foi colocada uma placa evocativa com um poema de Ary dos Santos. Para que a memória não morra.
Subindo a rua, as igrejas, e depois o Miradouro - aquela janela que se abria sobre a cidade. Do outro lado, a subida para o Castelo. Ali morava a Fátima, na Rua da Saudade, vizinha do Ary, e minha futura colega de liceu uns anos mais tarde.
Aquele percuso, continuei a fazê-lo durante alguns anos. Como passeio apenas. Porque gostava daquelas ruas íngremes e das igrejas. Quantas vezes me refugiei nelas nas tardes soalheiras, à procura do silêncio e daquela paz tão especial que apenas ali encontramos.
Nessa altura já a escola primária ficara para trás. Frequentava agora uma escola ainda maior, ali para os lados do Marquês de Pombal. Quantas caminhadas descendo a Avenida! Podia quase fazê-las de olhos fechados! Outras vezes de autocarro até aos Restauradores, naqueles com dois pisos onde gostava de viajar agarrada ao varão junto à porta.
Depois, esperava a minha mãe junto ao Éden. Às vezes, era já noite e ela não chegava, pensava que se esquecera de mim ... Coitada, sempre na correria para cumprir todos os horários e estar sempre presente ...
Lançando os olhos para a direita era a gelataria que me desafiava e aquelas magníficas cassatas que eu adorava. E no Natal era naquele canto também que estava o mais bonito Pai Natal de sempre. Um Pai Natal como deve ser, como se vê nos livros, gordinho, de olhos bondosos e grandes barbas brancas, não como os de hoje a quem as calças quase caem pelas pernas abaixo e tão escanzelados que atraiçoam o meu imaginário infantil. Ali se podiam tirar fotografias e todos os natais sonhava em tirar uma ali mesmo ao seu lado, ao colo do Pai Natal dos meus sonhos. Nunca o fiz. Assim como nunca me aproximei o suficiente para receber dele os doces que repartia com as crianças. Passava por ele devagarinho e levava nos ouvidos o som alegre dos sininhos que vinha não sei donde e que ainda hoje recordo.
Parece-vos que só recordo coisas tristes mas se pudessem ver-me agora, veriam o sorriso que me aflora ao escrever estas linhas.

terça-feira, dezembro 26, 2006

A escola

Esta, era cinco vezes maior do que a minha velha escola. Aquela onde estudei nos primeiros três anos.
D. Eulália chamava-se a minha primeira professora. Forte, cabelos grisalhos apanhados num carrapito. Agrupava-nos à volta de uma mesa (já não recordo quantos éramos, nem dos seus nomes). Ali aprendi a ler e a escrever. Os primeiros ditados. As primeiras contas. No intervalo que ela mesma estipulava, corríamos para o jardim que circundava a casa e por ali nos perdíamos em brincadeiras e correrias. Ao fim do dia, era apenas um pulinho até casa, ali mesmo no fim da rua.
Não, a escola da minha 4ª classe não tinha nada a ver com esta. Era um mundo estranho onde eu me sentia infinitamente pequena!
Todos os dias o trajecto de ida e volta era feito de eléctrico. Aqueles amarelinhos antigos, os bons - aqueles em que podíamos levantar a janela no Verão e apoiar o cotovelo -, não os outros, em que a janela descia e não permitia aquele debruçar gostoso sobre a rua.
Era na Graça a minha escola (voltei lá há pouco tempo)! O percurso parecia-me enorme, feito sempre a subir por ruas e ruelas. Nas curvas mais apertadas quase conseguia tocar os prédios com a ponta dos meus dedos. Perto do fim do trajecto, assaltava-me sempre o mesmo receio: o de não conseguir accionar a campainha. Recordam-se os da minha idade, que era aquele fio castanho que percorria o eléctrico a todo o comprimento, junto ao tecto. No Inverno fazia-o com o cabo do guarda-chuva, mas no Verão receava sempre não conseguir alcançá-lo.
Recordo o meu primeiro dia e o enorme recreio polvilhado de batas brancas numa enorme algazarra. Que diferença da minha velha e pequena escola!
Com o tempo, foi adquirindo outra dimensão. As meninas, tornaram-se amigas também, ou pelo menos colegas, ultrapassada a timidez inicial.
O meu único receio era da D. Aida, a professora de Aritmética, exímia no uso da régua, já que a professora de Português - a D. Manuela - era um doce de pessoa.
Os dias pareciam-me longos. Ainda hoje se os recordo, me parecem. À tarde, o regresso. O mesmo percurso de eléctrico até ao local de trabalho da minha mãe...
(Eu tinha 8/9 anos nessa altura e fazia todos estes trajectos sózinha! Outros tempos!)
... e depois o caminho para casa, já com ela.
Há pouco tempo quando regressei àquela escola percebi que o caminho não é assim tão longo, e revi certos passos do trajecto que ainda hoje se mantêem. O muro do Limoeiro, o velho miradouro sobre Lisboa, e as ruelas. Sempre estreitinhas. De curvas apertadas, ainda a apetecer tocar nos velhos edifícios com a ponta dos dedos !

domingo, dezembro 24, 2006

Ternura


É tempo de deixar um abraço a todos os que me visitam.
Pelo carinho e pela presença. Pelos gestos e pelas palavras também.

(Foto em www. trekearth.com)

sábado, dezembro 23, 2006

Natais


Era sempre um pinheiro manso. Daqueles que estavam à venda nas ruas próximo do Natal. A minha mãe comprava-o junto do antigo cinema Éden, lembram-se, ali mesmo nos Restauradores.
Ficava depois num canto da sala, aquele pinheiro que eu sempre queria equilibrado, de ramos perfeitos e simétricos - simplesmente um pinheiro igual ao dos livros que eu lia em criança. Mas não era. Nunca o foi. Nunca passava de um simples pinheiro manso, baixo e atarracado, com os ramos imperfeitamente dispostos e o topo - onde se queria a estrela bem no alto - tantas vezes teimosamente inclinado para o lado.
Os enfeites eram caros e havia coisas mais importantes para comprar, por isso umas poucas bolas coloridas eram dispostas aqui e ali, e nos ramos - tanto que eu detestava aquilo - pequenos flocos de algodão imitavam neve.
Eu sei, eu sei que tudo aquilo era por minha causa, mas "do outro lado", existia o oposto. A árvore mais bonita, mais elegante e perfeita, carregada de inúmeros enfeites coloridos e brilhantes e plena de pequenas luzes que piscavam para mim toda a noite. Era um pinheiro nórdico alto e equilibrado que havia "do outro lado", e até a neve parecia neve, naquele milagre produzido pelo "spray" de neve carbónica. Ali onde tudo era imperfeito, estava a árvore perfeita.
Anos mais tarde chegou a minha vez de fazer a árvore de Natal. Na minha casa. Mais uma vez procurei o pinheiro perfeito, mas então, já convencida que a perfeição só existe nos livros e na imaginação das crianças, comprei uma árvore artificial. Perfeita no equilíbrio dos ramos que eu mesma dispunha simetricamente como sempre desejei. Depois vesti-a de bolas coloridas, de fitas brilhantes e luzes de todas as cores. E no alto uma estrela - bem perfilada no seu topo. Neve nunca quis. O milagre do spray nunca concretizei.
Hoje, a minha árvore de Natal tem dois palmos e meio de altura e pequeninos enfeites coloridos brilham nos seus ramos de tirinhas brancas e douradas. Não tem estrela. Não tem neve. Não tem luzes. Tem Pai Natal.
É linda e perfeita como eu gosto. Apenas um símbolo. Um pequeno símbolo do Natal.

(Foto minha)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Ensaio


Se porém caminhasses para mim,
o olhar firme na
lonjura de um querer tanto,
isentos do passado e no impulso na
demência dos sonhos que embalamos,
atingiríamos, no ocaso da vida,
o equilíbrio perfeito.

Foto em www.trekearth.com

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Que bom que é Natal!

Hoje foi dia de partilha. De alegrias. De palavra. De sorrisos e de lágrimas também.
Almoço com um amigo e antigo colega de faculdade. Jantar com duas amigas de curso.
É Natal e felizmente que assim é pois permite estes deliciosos encontros. O subterfúgio perfeito. A justificação que não deveria ser necessária.
A vida afasta-nos daqueles que nos são queridos. O trabalho exige demasiado de nós - espartilha-nos a horários e deveres. A vida familiar pede-nos outro tanto e assim nos vamos privando das coisas que nos dão prazer. E passa um dia. E passa um mês. E passa um ano. Lembramo-nos dos amigos mas pensamos que "agora não é oportuno telefonar". Porque é hora de trabalho. Porque é hora de jantar. Porque é hora de descanso. E o tempo vai correndo.
E por vezes ... bastariam cinco minutos do nosso tão precioso e ocupado tempo. Um minuto apenas das nossas vidas para dizer "olá como estás". Para dizer que estamos aqui e nos lembramos. Para mostrar que temos saudades. Porque a vida é tão curta e os dias se somam sem darmos por isso. Porque o tempo é incerto.
Que bom que é Natal! A justificação perfeita para todos os encontros adiados. Para todos os telefonemas. Para todos os abraços!

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Intervalo

Adeus, disseste baixinho e a voz sumiu-se. Passaste para outro plano. Outra vida. Outro espaço. Fiquei só.
Desliguei, ainda a ouvir a voz que se afastava. Permaneci sentada. Imóvel.
As mãos frias, inertes.
As palavras interrompidas presas na garganta.
O riso entranhando-se nas fendas do soalho.

Fechei os olhos e inspirei profundamente. Uma e outra vez.
E ... como sempre faço, de novo recuperei o gesto...
engoli as palavras...
apanhei do chão o riso ...
e deixei a vida entrar.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Para além do gesto ...

Na minha casa, são imprescindíveis nesta época. O Natal não o seria, sem elas.
Todos os anos no dia 24, trazia-as a minha mãe, muito embrulhadinhas e acondicionadas numa grande taça. Vinham ainda quentes e logo que se destapavam, o seu aroma despertava o nosso apetite. As minhas filhas adoram-nas e esperam gulosamente por esta data para as comerem com prazer.
Há uns anos atrás, comecei eu a fazê-las em casa. Da primeira vez, supervisionada pelo olhar atento da minha mãe que me dava oportunos conselhos. Depois, ano após ano, fui ganhando o jeito, conhecendo os tempos certos, apurando o ponto. Este ano, pela primeira vez, foi a minha filha mais nova que as confeccionou, cabendo-me o papel de ajudar e aconselhar. Dizia-me ela no final: "como é que consegues fazer isto tudo sozinha? eu nunca vou conseguir!" Mas vai sim, tal como eu consegui e outras depois dela o farão também.
Oferecer aos amigos algo feito pelas nossas mãos é também um acto de amor. De há uns anos para cá tenho por hábito levar uma travessa de arroz doce e alguns destes doces a uma amiga que os aprecia. Aqui na blogosfera onde considero ter alguns amigos não o posso fazer, mas posso partilhar com vocês a confecção deste doce que para mim sempre simbolizou o Natal.
Na maior parte das casas fazem-se Rabanadas. Na minha fazem-se Fatias do Bispo. É a minha oferta para vocês este Natal.

Ingredientes:
1 cacete rijo
1 Kg de açucar
18 ovos inteiros (pelo menos)
1 colher de margarina ou manteiga
Canela

Numa panela leva-se ao lume o açucar, coberto de água. Deixa-se levantar fervura, mexendo sempre até atingir o ponto de espadana (se não souberem o que é ou como se atinge, não se preocupem muito, porque eu ainda hoje não sei e elas saem sempre bem).
Adiciona-se uma colher de sopa de margarina ou manteiga.
O cacete é previamente cortado em fatias não muito grossas que se mergulham até embeberem nos ovos bem batidos, indo depois a cozer na calda do açucar. Viram-se duas ou três vezes com cuidado, retiram-se com uma escumadeira e colocam-se numa taça onde se polvilham com canela.
Depois de todas as fatias cozidas no açucar e devidamente polvilhadas, regam-se com a calda que sobrou.

Espero que aproveitem a ideia e gostem delas tanto quanto eu.

Para além do gesto ... a palavra.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Testemunho

"Quando me disseram, chamaram-lhe carcinoma. Uma outra terminologia – mais técnica – mas idêntico impacto.
Logo que pude consultei a enciclopédia para saber do seu correcto significado. Cancro, dizia. Aquilo que mais se teme. Maligno, claro.
Caiu em mim com o todo o peso que a palavra encerra.
Morte. Sofrimento. Medo.
Caiu em mim, e de imediato foi cavando brechas, derrubando verdades adquiridas.
De início apenas o medo. Não o da operação. Não o de uma hipotética mastectomia. Não da morte, ou pelo menos, não da morte a curto prazo, mas medo de não conseguir combatê-lo. Medo de que o meu optimismo e a minha vontade não fossem suficientes para o travar. Medo que insidiosamente se instalasse de armas e bagagens e recusasse partir. Medo que fosse ganhando o meu corpo. Debelando as minhas resistências.
Primeiro foi assim. O Medo. Depois ... vi que conseguia esquecer. Preenchi a vida de mil momentos, ocupados com mil coisas, matizados de mil cores. A vontade de esquecer foi superior a tudo, e verdadeiramente coloquei os medos debaixo de uma pesada pedra, não os deixando assim manifestar-se.
De tempos a tempos emergia a Dúvida. Será que vou conseguir ultrapassar isto? Vou viver por mais quanto tempo? Será que vale a pena?
As dúvidas levaram-me a trilhar outros caminhos. Porque desistir não faz parte do meu léxico. Provoquei a vida para que ela me enfrentasse, olhos nos olhos. Faço hoje o que poderei não poder vir a fazer daqui a um ano. Sorrio mais. Abri o coração aos que me rodeiam. O lema é Dar. Dar muito. Dar tudo. E assim surpreendi-me com o que vim a receber. E assim me descobri outra.
Dois anos e meio se passaram. Os meus amigos dizem-me que não me preocupe – que estou curada. Para mim, ainda é muito cedo. A espada ainda lá está. Sinto a sua ponta aguçada tocar-me de tempos a tempos, lembrando-me que ainda é cedo.
Mas falar destes dois anos e meio, é também falar de Esperança. Porque há situações únicas que experienciamos e que nos transformam. Neste caso direi até que uma má experiência tem também, se soubermos ver, um lado positivo. A minha vida deu uma volta completa. Estabeleci novos objectivos. Decidi que os anos que me faltam – sejam aqueles que forem, não interessa – hei-de vivê-los com paixão. Quero saboreá-los bem, e nisso empenho toda a minha vontade. Nada é mais importante do que fazer uma trégua com o nosso Eu. Encontrarmo-nos finalmente, e reconhecermo-nos como verdadeiramente somos.
Tenho planos. Tenho metas. E essencialmente muita confiança em mim. Acima de tudo creio que é essa confiança que trava a doença. Acredito que é possível. Que vou conseguir. E é neste caminho que vou prosseguir."

Este testemunho é para ti M. João, minha amiga, e para o teu pai - um homem de muita coragem que não tenho o privilégio de conhecer.

domingo, dezembro 17, 2006

Gradação

Hoje.
Hoje não.
Hoje não quero.

Lembrar.
Lembrar-te.
Lembrar-te aqui.

Quando.
Quando o tempo.
Quando o tempo parou.

Hoje não quero lembrar-te aqui quando o tempo parou.

Ontem ainda!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Fim de semana

Chegava sempre depois de almoço. Duas da tarde. Ía pela mão do meu avô. Devagarinho, conversava comigo, caminhando naquele passo lento de quem já muito andou. Naquele alheamento de quem já muito viu. Ficava no ínício da rua à esquina. Dava-me um beijo e seguia-me com o olhar até eu chegar ao portão. Nunca se aproximava. Antes de entrar eu olhava para trás e acenava-lhe. Era o sinal de que podia ir-se embora. De que eu já estava entregue.
Gostaria de recordar com precisão o que sentia nessa altura, mas só posso imaginar.
Sei que deixava um mundo e entrava noutro. Lá fora ficava a minha vida do dia-a-dia, o à-vontade, o espírito livre e aberto de criança. Cá dentro, fechava-me num mundo só meu. Calava o linguajar fácil, escondia os sonhos cor-de-rosa. Dentro dos portões eu era mais triste e mais controlada.
Chegava e ía para o meu quarto. Primeira porta ao lado da cozinha. A sala, em frente. Lá estava a cama bem feita e defronte a estante com os livros bem arrumadinhos e as bonecas sentadinhas em fila. No canto ao lado da janela a cómoda, e em cima dela o velho Buda que ainda hoje me acompanha. Uma só peça de madeira esculpida. Polido, risonho e feliz. Que contraste! Ao lado da porta, o roupeiro. Era hora de trocar de roupa.
Ficava tudo lá fora. A outra e a alegria. A roupa que trazia vestida, era arrumada no armário. Vestiam-me outras roupas. Para parecer outra, talvez. Ao gosto do dono da casa - o meu pai.
Passava-se o sábado na expectativa da noite. Amanhecia o domingo, longo e pastoso.
Ao fim da tarde a cena invertia-se.
Trocavam-se as roupas, vestia-se a alegria e o meu avô lá estava na esquina - a mão estendida à minha espera - e o caminho de volta. Devagarinho. Naquele passo lento de quem já tudo andou. Naquele alheamento de quem já tudo viu.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Memórias de prata

Texto retirado

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Medo

O eco das últimas palavras ainda pairava no ar e já o silêncio pesava.
Imenso como a abóbada celeste em noites sem lua.
Profundo como o buraco negro em que mergulhei.
Um silêncio que gritava a dúvida ...
Um silêncio que calava a tristeza ...
... e o peso do teu silêncio fez nascer o Medo.
De tudo perder.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Natal outra vez!

... e na minha espera ... lembro, aquele dia em que me prometeste Tempo.
Foi a tua prenda nesse Natal. Tempo!
Pareceu-me estranho nessa altura, mas que surpresa se veio a tornar!
Com o Tempo que prometeste vieram Palavras ... milhares de Palavras. Palavras escritas, palavras ditas, palavras segredadas. Palavras choradas.
Com o Tempo vieram gargalhadas e sorrisos. Vieram intermináveis horas compartilhadas. Conversas, mil. Segredos, tantos. E a vontade de continuar, de transformar o Tempo num Tempo Infinito.
As tardes eram engolidas pelas noites que queríamos curtas. Os dias sucediam-se, vertiginosos. As semanas fundiam-se em meses. Voavam!
Agora é de novo Natal. O que me vais oferecer desta vez se já me ofereceste tanto?
E a ti? Que hei-de oferecer este Natal?

sábado, dezembro 09, 2006

Espero!

... enquanto eu ... espero!
Espero como quem luta. Desafiando os minutos, rasteirando as dúvidas.
Espero como quem quer. Plantando certezas. Semeando desejos.
Espero como quem ama. Embalando os dias, contrariando as horas.
Lembrando ... como quem espera!

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Um fim de tarde

Adormeceste no embalo das imagens que acordado sonhavas, e o dia escureceu lentamente.
Crepitavam as madeiras na lareira ao canto, e num calor suave a tarde te envolveu.
Respiração pausada a tua ... o hálito morno lembrava as noites de amor.
Os olhos vibravam à velocidade do sonho. As mãos estremeciam como que tacteando sensações.
Lá fora, a Lua perdera-se num céu de chumbo sem estrelas.
Apenas o teu sonho iluminava.
Apenas no teu olhar se reflectia.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Do outro lado

Texto retirado

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O momento


Guardas o momento. Aquele que jamais se repetirá.
Um segundo depois apenas, e já tudo mudou.
O mar ganhou outra tonalidade.
O crepúsculo adensou-se na noite.
Alterou-se o róseo do céu.
Perdeu-se luz.
Guardas o momento.
Aquele!
Único!
Irrepetível!
... e eu guardo-te a ti!

(Foto minha)

terça-feira, dezembro 05, 2006

Barco eu sou!


Barco eu sou!
Velas enfunadas enfrentam ventos contrários.
O leme firme em direcção ao Futuro.

Barco eu sou!
Abrigo seguro e casca de noz.
Umas vezes manobro com firmeza. Outras vogo à deriva.
No balanço lento da vida lanço âncora.
Nos temporais, arrasto-me até seguro porto.

Barco eu sou.
No porão, aninhados os sonhos de tantas viagens.
No leme gravada a rota que escolhi.
E o porto que espero ... tão perto e tão longe !

(Foto de J.)

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Magia

A noite é o pano de fundo deste entrançado de sons.
A melodia do mar brinca com o marulhar das notas que se ouvem baixinho.
Mergulha o luar no oceano em braçadas de prata, enquanto no horizonte uma fileira de luzes tremeluzentes imita as decorações de Natal.
Pela noite deslizei em rampas feitas de vozes e tecidas de sensações.
Nesta noite evoquei outras noites e construí sonhos assentes em pilares de luz.
Nesta noite inventei o sorriso mais belo e a voz mais doce ... e para me encantar, as estrelas que se escondiam no céu explodiram no meu olhar.