Não quero mais o motivo
das coisas.
Nem mais cobiço
as verdades que se escondem,
avaras, no âmago límpido
das estranhezas humanas.
Foi-se-me a fome de nuvens,
foi no escuro, antes da aurora.
Trava-me o gosto da vida,
de tão pesada, esta absurda
precisão que tem meu ser
de ser sempre inteiramente,
sempre intensamente: em tudo.
Sobretudo no saber.
Contudo sequer alcanço
a escassa fímbria da sombra
do saber que em vão persigo.
Não quero mais os motivos.
As coisas que me sucedam
a seu gosto: em meu desgosto
hei-de fronteá-las.
O mundo
que avance conforme a lei
(se é que mistério tem lei)
que rege e doma as razões
com que engana, cauteloso,
a todos que lhe moramos.
As mágoas que me chegarem
não lhes irei mais às causas:
simplesmente as sofrerei
- como quem sofre, fazendo
de conta que está fingindo.
Assim vai ser. Não me quero
nem a própria explicação.
O que escondido restar,
que reste.
Já me cansei
de mergulhos - sempre vãos,
sofridos sempre - em funduras
onde peixes lisos, frios
e invisíveis, acalentam
com ferrões feitos de nada
o desencanto da vida.
Assim me sonho. Entrementes,
me transpareço e me aceito.
Thiago de Melo, "Canto do Amor Armado", Moraes Editores, Lisboa, 1974, pp. 154/5